São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Lisboa recebe o Parlamento dos Escritores

BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE PARIS

O Parlamento Internacional dos Escritores vai se reunir de 28 a 30 de setembro em Lisboa. Entre os convidados estão os escritores Carlos Fuentes, Jorge Amado, Kazuo Ishiguro, Claudio Magris, Lars Gustafsson e Toni Morrison, o filósofo Jacques Derrida e o sociólogo Pierre Bourdieu, entre outras personalidades. Os escritores Salman Rushdie e Taslima Nasreen, ambos perseguidos por radicais religiosos, foram convidados e devem participar do encontro.
Eles serão recebidos dentro da programação do evento "Lisboa 94 - Capital Cultural da Europa", cujo diretor, Eduardo Prado Coelho, conselheiro cultural da Embaixada de Portugal na França e autor de diversos livros de ensaio, concedeu de Lisboa, por telefone, a entrevista abaixo à Folha.
O Parlamento Internacional dos Escritores foi criado em 1993 por um grupo de 50 escritores e intelectuais europeus e americanos, a partir de uma proposição de Pierre Bourdieu. Sua fundação foi motivada sobretudo pelo assassínio de vários escritores na Argélia, em 1993, e a condenação à morte do escritor Salman Rushdie (inglês de origem hindu) pelo governo iraniano. Um livro de Rushdie, "Os Versos Satânicos", foi considerado blasfemo pelo aiatolá Komeini, em 1989. Desde então, o escritor vive na clandestinidade, protegido pelo governo inglês.
Em 1993, um apelo do Parlamento a mais de duzentos escritores do mundo inteiro foi aceito unanimemente. Reivindicava a autonomia da literatura em relação aos diferentes poderes e insistia na necessidade de uma estrutura capaz de organizar um movimento de solidariedade internacional.
O trabalho do Parlamento exige uma instância de deliberação e de execução. Isso resulta na criação de um conselho presidido por Salman Rushdie e composto por Adonis (poeta libanês), Breyten Breytenbach (escritor sul-africano), Carlos Fuentes (escritor mexicano), Edouard Glissant (escritor martiniquês), Jacques Derrida (filósofo françês), Pierre Bourdieu (sociólogo françês), e Toni Morrison (escritora americana).
Os aderentes têm como principios da sua ação: a independência em relação aos poderes políticos, econômicos, midiáticos e de todas as ortodoxias; o internacionalismo fundado no conhecimento e no reconhecimento da diversidade das tradições históricas; a dedicação às ações universais, concebidas e decididas em comum.

Folha - Qual pode ser, na sua opinião, a maior contribuição do Parlamento Internacional dos Escritores?
Eduardo Prado Coelho - Este Parlamento é uma aposta difícil, na medida em que visa restituir aos intelectuais o gosto da intervenção nas questões sociais, mas procura não repetir erros do modelo do "engagement", do engajamento no sentido sartriano, para o qual a literatura deve estar à serviço da sociedade. O Parlamento reivindica a autonomia da literatura e toma o caso dos escritores perseguidos como sintoma da falta de liberdade de expressão.
Folha - Quais os objetivos em torno dos quais o projeto desta "Lisboa 94" se organizou?
Prado Coelho - "Lisboa 94", tal como foi concebida, tinha três grandes objetivos. Primeiramente, importar uma cultura européia que circula pela Europa, anda de capital em capital e não costuma passar por Lisboa, detém-se em Madrid ou em Barcelona. Lisboa não estava ainda integrada na rede das capitais culturais da Europa. Assim, as grandes exposições ou os grandes espetáculos não chegavam lá.
O segundo objetivo era suscitar a criatividade dos portugueses, no cinema, no teatro, na dança. Na área de cinema, por exemplo, foi proposto aos jovens que realizassem filmes de ficção, tendo Lisboa como cenário. Aos jovens e a Wim Wenders, que está fazendo um filme, que se passa em Lisboa.
O terceiro objetivo da "Lisboa 94", que era de estabelecer um diálogo entre as culturas européias, africanas e latino-americanas, não se concretizou plenamente. A idéia acabou sendo ultrapassada pelas outras duas.
Folha - O que poderia ser feito para intensificar as relações culturais entre Portugal e Brasil?
Prado Coelho - Ao nível dos discursos oficiais, existe um grande entendimento no que diz respeito à necessidade de promover o intercâmbio cultural. Passados os discursos oficiais, o que se tem feito é pouco. Não existe nenhum centro cultural português no Brasil. Em Portugal, é dificílimo encontrar um livro brasileiro. Posso encontrar em Paris os livros do Rubem Fonseca, a biografia sobre Assis Chateaubriand, porém não os encontro em Lisboa.

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