São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Antunes e Zé Celso dispensam seus aduladores

SEBASTIÃO MILARÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sou crítico e pesquisador de teatro e não me insurgiria contra uma crítica desfavorável a trabalho meu desde que, trazendo discordâncias fundamentais e fundamentadas, espelhasse a responsabilidade do autor. Digo isto porque venho protestar contra a resenha assinada por Nelson de Sá, publicada no suplemento Mais! (28/8/94), sobre meu livro "Antunes Filho e a Dimensão Utópica" (Perspectiva). Protesto não pelo que a mesma possa conter em termo opinativo, mas pela manipulação do autor, que faz afirmações contrárias ao que diz meu ensaio, como se as mesmas refletissem meu pensamento.
Parece-me que Nelson de Sá não leu o livro com a devida atenção ou, simplesmente, ele não sabe ler. Começa por afirmar que meu "trabalho é dedicado a provar que 'Vereda da Salvação' (refere-se à montagem de 1964) é na realidade um espetáculo mais importante do que 'Macunaíma' ". Mas de onde saiu essa extravagância? Certamente não do meu estudo, mas da cabecinha do "crítico". E toda a sua resenha firma-se nessa inverdade.
Se prestasse atenção veria que, após comentar os polêmicos exercícios criados por Antunes Filho naquela época, digo textualmente: "Consubstanciava-se, assim, o embrião do sistema que Antunes experimentaria ainda em duas outras montagens –'A Falecida' e 'Peer Gynt'– para amadurecer, década e meia depois, sob a sigla do CPT (pág. 147)". Dessa maneira, não afirmo que "Vereda" tenha sido "espetáculo mais importante" do que "Macunaíma" e sim que foi um ponto de partida para chegar (década e meia depois) a "Macunaíma" e demais trabalhos no CPT.
Não percebeu o moço que o propósito do meu estudo foi, justamente, encontrar na obra anterior de Antunes os momentos de transgressão e de superação estéticas na busca da linguagem cênica que hoje o caracteriza. Por isso, comento todas as montagens anteriores, demorando-me no relato do processo de criação daquelas em que novos elementos afloravam. Refiro-me, portanto, à análise de um processo evolutivo, no qual 'Vereda' surge como um embrião, toscamente, e não como expressão acabada. Qualquer pessoa de mediana inteligência, que leia o livro, entende isto.
O "crítico" acha absurdo que se dê três páginas a "Macunaíma" contra 30 para "Vereda", por ser desatento. Tivesse lido a apresentação, saberia que o estudo abrange apenas a fase anterior à criação do CPT (que começa com "Macunaíma"). Fui claro ao escrever: "Optei por um rastreamento histórico do teatro de Antunes Filho até 1978, deixando a última fase, caracterizada pelo CPT, para um futuro trabalho, onde importarão os métodos, seus fundamentos teóricos e sua aplicação prática. Esta fase aparece resumida no último capítulo" (pág. 5).
Não sei em que ponto do livro ele conseguiu encontrar uma comparação de Antunes com Judith Malina, além de outras baboseiras de igual quilate. Que Antunes Filho "adiantou-se" (a expressão inadequada é dele, não minha) a Augusto Boal e (não sei porquê o "crítico" colocou um e sobretudo) Zé Celso "na grande mudança dos anos 60", não sou eu quem digo, são os fatos históricos e quem se der ao trabalho de pesquisar e analisar o panorama teatral da época, como fiz, logo vê isso. Agora, dizer que o teatro de Antunes "é apêndice do Arena e do Oficina" é uma tolice descabelada de quem não entendeu nada do que efetivamente consta do meu ensaio.
Usando o desonesto estratagema de pinçar frases, deslocando-as do contexto, o "crítico" tenta mostrar que meu ensaio é um blablablá "beirando a idolatria". Como se isto não fosse insulto suficiente, ousa chamar-me adulador. Talvez por projeção dele mesmo, visto que insinua confronto com Zé Celso, de quem foi colaborador em "As Boas" e "Ham-let". Ora, Zé Celso tem sua lugar na história do nosso teatro, não precisa de aduladores. Também Antunes os dispensa. Neste caso, o "crítico" lembra alguém que de tão cego maneja o arco contra o próprio peito.

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