São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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MARCO ZERO DO BRASIL

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Aquele pedacinho de Brasil onde Pedro Álvares Cabral aportou no dia 22 de abril de 1500, o qual Pero Vaz de Caminha descreveu em sua carta como uma espécie de paraíso terrestre, pode virar o primeiro museu aberto do país.
Como o nome já sugere, o Museu Aberto do Descobrimento será diferente. O grande acervo a ser exposto é a natureza: cerca de 1.000 km2 , equivalente a 2/3 da área da cidade de São Paulo. Só de praias são cerca de 80 km.
O museu ocuparia áreas de três municípios do sul da Bahia: Prado, Porto Seguro e Santa Cruz de Cabrália. Iria desde o local onde a expedição de Cabral fez o primeiro contato com os índios até a Coroa Vermelha, local da primeira missa (veja mapa ao lado).
Será o primeiro museu do mundo habitado por cerca de 30 mil pessoas.
O plano da Fundação Quadrilátero do Descobrimento é estancar a barbárie que avança sobre a região para que Porto Seguro volte a ser a "terra de tal maneira graciosa que se a quisermos aproveitar nela dar-se-á tudo pelas águas que tem", como escreveu Caminha.
Aproveitar, até que aproveitaram muito da região. Só que de uma maneira errada, na avaliação de Roberto Pinho, 56, presidente da Fundação Quadrilátero do Descobrimento.
"A idéia do museu é reverter a deterioração de uma paisagem que é, ela mesma, um documento histórico", diz Pinho.
A deterioração
Por deterioração, entenda-se todo tipo de desmazelo. O Monte Pascoal, que Cabral avistou a 22 de abril de 1500, está perdendo "os grandes arvoredos" de que falava Caminha.
A foto no alto da página mostra que os arvoredos que circundam o monte estão sendo desmatados, segundo Pinho, por índios e madeireiros para virar carvão. O Ibama diz que o desmatamento existe. A Funai nega a participação dos índios pataxós (leia texto abaixo).
Detalhe: o Monte Pascoal fica no parque nacional homônimo e é tombado desde 1961. O resto da região que o museu pretende ocupar foi tombada em 1970 pelo presidente Médici.
Some-se ao desmatamento o turismo predatório, os loteamentos que pipocam na região e a inexistência de água e esgoto na maioria das cidades e está pintado um cenário de caos. Caos?
Não é bem assim. A região de Porto Seguro –para o mal e para o bem, como se verá– só ganhou uma estrada asfaltada na segunda metade da década de 60.
Nesses anos, o turismo começou a desfigurar a paisagem que servia para ilustrar a carta de Caminha, mas 90% da região continua idêntica à 1500, segundo estimativa da Fundação Quadrilátero do Descobrimento.
Um número ajuda a visualizar a façanha: enquanto o Brasil só tem 7% da Mata Atlântica original, a região de Porto Seguro conserva 60% de sua Mata Atlântica –ou original ou reflorestada.
Os vilarejos que ficaram distantes do asfalto, todos fundados entre 1504 e 1534, também foram preservados. Trancoso, por exemplo, é um dos últimos remanescentes de aldeia jesuítica no Brasil.
O museu, segundo Roberto Pinho, nem sonha em estagnar a economia da região. "A idéia é ordenar o crescimento sem desfigurar a paisagem", diz.
Na próxima terça-feira, o sonho ganha uma "maquete", na definição de Pinho: é um livro de 240 páginas, com textos de Caetano Veloso e Arnaldo Jabor, articulista da Folha, entre outros.
O lançamento acontecerá em São Paulo, no Museu do Ipiranga (Parque da Independência, Ipiranga), às 19h00. A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) bancou os R$ 170 mil consumidos pelo livro.
No livro, o museu não é só paisagem. Tem oito centros culturais, que seriam construídos até o ano 2000, quando se comemora os 500 anos do descobrimento.
O plano inclui um Memorial Brasil, um Memorial Portugal e o Museu Pero Vaz de Caminha. Tem ainda uma escultura de Alex Chacon, fundeada no mar, que criaria uma moldura para quem vê o Monte Pascoal de barco.
Dia 12 de outubro o livro será lançado em Lisboa. A idéia da fundação é que Portugal construa o memorial dedicado ao país e colabore com o projeto em geral.
O governo brasileiro bancaria o Memorial Brasil, cujo custo é estimado em R$ 6 milhões, e seria um dos sócios do projeto.
O museu não tem pretensões de abrigar peças originais nos centros culturais, segundo Pinho. O plano é usar réplicas e organizar exposições exclusivamente didáticas.
A fundação negocia com a USP a criação de um campus avançado, com pesquisas práticas em todas as áreas de interesse do museu, da biologia marinha à antropologia.

LEIA
Texto inédito de Caetano Veloso que faz parte do livro às págs. 6-12 e 6-13

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