São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Brasileiros têm mercado reduzido

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Para se ter idéia da ínfima penetração da literatura brasileira na Alemanha, basta saber que menos de 0,5% dos livros traduzidos para o alemão são de língua portuguesa.
Para duas das mais importantes tradutoras de autores brasileiros da atualidade, Ute Hermans e Ray-Güde Mertin, a presença do Brasil na Feira de Frankfurt não deve mudar muito esse quadro.
"Talvez por causa da recessão econômica, são poucas as editoras que se arriscam a publicar autores brasileiros. Elas preferem os americanos", diz Ute Hermans, que este ano co-traduziu, com Kurt Scharf, a antologia brasileira "Nachdenken über eine Reise ohne Ende" (Reflexão sobre uma Viagem sem Fim, editora Babel).
A antologia mistura autores brasileiros relativamente conhecidos na Alemanha, como Moacyr Scliar e Ignácio de Loyola Brandão, com nomes novos para os alemães, como Milton Hatoum e Deonísio da Silva.
O objetivo do livro, segundo Ute, é "mostrar o continente literário brasileiro". "Os textos do livro –poemas, contos, trechos de romances– têm em comum o tema da viagem, da ruptura, de um mundo perdido que o escritor está recuperando."
Visitas de autores
Paralelamente à realização da antologia, 17 autores brasileiros visitaram 29 cidades alemãs em três etapas (abril, maio e junho), em evento promovido pela Câmara Brasileira do Livro em conjunto com a Casa das Culturas do Mundo, de Berlim.
Ray-Güde Mertin, que além de tradutora é agente literária de cerca de 40 escritores brasileiros (entre eles Antonio Callado, Caio Fernando Abreu, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto e Ana Miranda), diz que a Feira de Frankfurt é uma oportunidade para despertar o interesse de editores e do público alemão para autores brasileiros, mas não acredita em grandes mudanças a curto prazo.
"O mercado editorial europeu está cada vez mais centrado na busca de produtos com garantia de comercialização rápida", disse a tradutora e agente em entrevista à Folha, por fax, de Bad Homburg. Isso, evidentemente, exclui a maioria dos livros brasileiros.
Apesar da cautela, Ray-Güde destaca o grande número de lançamentos brasileiros este ano –antes, durante e depois da feira. Entre os mais de 30 títulos que estão saindo na Alemanha figuram desde clássicos como "Os Sertões", de Euclides da Cunha, e "Raízes do Brasil", de Sergio Buarque de Holanda, até livros de reportagem como "Camaradas", de William Wack, e "Rota 66", de Caco Barcelos, passando por obras de João Ubaldo Ribeiro, Rubem Fonseca, Ziraldo e Sérgio Sant'Anna.
Brasil urbano
Ray-Güde, que é agente também de autores portugueses (José Saramago entre eles), africanos e hispano-americanos, foi uma das idealizadoras do filme "Um Olhar sobre a Cidade de São Paulo", realizado há dois meses na cidade a partir do depoimento de dez escritores: Ivan Ângelo, João Antonio, Ignácio de Loyola Brandão, Zulmira Ribeiro Tavares, Marilene Felinto, Oswaldo de Camargo, Cuti, Marcelo Paiva, Lygia Fagundes Telles e Silvio Fiorani.
Segundo a tradutora e agente, o interesse alemão pela literatura que trata de temas urbanos "aumentou sensivelmente" nos últimos anos. Para ela, aos poucos a literatura brasileira "vai conseguindo mostrar sua paisagem multifacetada".
Os próprios livros que Ray-Güde Mertin verteu para o alemão mostram essa variedade. Entre eles estão "Perto do Coração Selvagem", de Clarice Lispector, "Um Copo de Cólera", de Raduan Nassar, "Essa Terra", de Antonio Torres, e "Livro de Histórias", de João Ubaldo.
Ray-Güde Mertin está organizando uma série de debates, um workshop de tradutores e uma exposição sobre Guimarães Rosa a serem realizados na Literaturhaus (Casa da Literatura) de Frankfurt entre 5 e 8 de outubro.
Os autores brasileiros mais conhecidos na Alemanha são, evidentemente, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro e Rubem Fonseca. "Para que novos escritores se tornem conhecidos demora", diz Ute Hermans, que busca agora apoio financeiro e editorial para traduzir Luiz Vilela (uma antologia de contos) e Marilene Felinto ("As Mulheres de Tijucopapo").
Ambas as tradutoras vêem boas possibilidades para a literatura infantil e juvenil brasileira, sobretudo Ziraldo e Ana Maria Machado.
Também Claus Rees, da Casa das Culturas do Mundo, de Berlim, se diz "impressionado" com a literatura infantil brasileira. "É uma área em que o interesse alemão deve crescer", diz ele.

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