São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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Bruxaria muda na África de Nelson Mandela

FERNANDO ROSSETTI
DE JOHANNESBURGO

A bruxaria, uma crença antiga dos nativos africanos, deverá sofrer mudanças durante o governo do primeiro presidente negro da África do Sul, Nelson Mandela.
Uma melhor distribuição de renda e a maior participação dos negros na política tendem a diminuir a violência que hoje caracteriza as práticas relacionadas à bruxaria.
O apartheid (1948-90) desfez as estruturas tradicionais de julgamento e punição de pessoas acusadas de serem bruxas, o que tornou mais violentos os episódios envolvendo bruxaria.
Antes do apartheid, uma pessoa acusada de bruxaria passava por uma série de instâncias até ser declarada "bruxa". Os casos tinham um processo complexo, onde o acusador e o acusado "apostavam" algumas cabeças de gado.
O julgamento era feito pelo chefe tribal, mas era possível recorrer de uma decisão aos "sangomas" –que também têm acesso ao sobrenatural. O maior castigo era a expulsão da comunidade.
Desde 1950, a "justiça" passou a ser feita sem julgamento. Resultado: hoje várias acusações de bruxaria terminam em linchamentos.
Em um dos casos deste ano, a família de Mampo Rasemola não conseguia explicar como é que ele havia ficado doente em um dia e morrido logo no dia seguinte.
Durante o enterro circularam boatos de que Sinna Mankwane, mulher de um pequeno construtor local, teria feito alguma bruxaria.
Uma multidão foi à casa de Sinna. Ela foi atacada e teve três pneus com gasolina amarrados ao pescoço. O marido foi obrigado a acender o fogo que iria queimá-la.
Nos dias seguintes, outras quatro pessoas da família foram mortas. A filha de Sinna foi apedrejada, teve pedaços de madeira introduzidos na vagina e enforcada.
Quando a polícia chegou, a casa dos Mankwane havia sido queimada. O restante da família fugiu.
"Esse tipo de coisa não ocorria quando eu era jovem", diz Harry Mashabela, 63, negro, pesquisador sênior do Instituto Sul-Africano de Relações Raciais.
As ocorrências são principalmente em regiões rurais onde os negros foram empilhados sem um controle direto do governo branco.
Há poucas estatísticas. No Transvaal do Norte (nordeste do país), onde ocorre a grande maioria dos casos, a polícia registrou no primeiro semestre mais de 70 "bruxos" queimados.
Inveja e ganância
"A acusação de bruxaria envolve inveja ou ganância", diz o professor de antropologia Isak Niehaus, da Universidade Witwatersrand (Wits), em Johannesburgo.
Alguém que enriquece muito rápido, por exemplo, pode estar fazendo bruxaria contra outra.
Um comerciante enterra em baixo de sua loja os genitais de um menino para sua empresa prosperar. Possuir uma língua humana "facilita" as relações sociais. Na Província do PWV (Johannesburgo e Pretória), a polícia achou sete corpos mutilados em 1994.
Segundo a pesquisa de Niehaus, de 190 casos de acusação de bruxaria no Transvaal, 46% envolviam vizinhos e 28%, pessoas ligadas através de casamentos. Dois acabaram em morte.
Mashabela acha que a violência tende a diminuir com a esperada melhoria das condições de vida dos negros decorrente do fim do regime de segregação racial.
No entanto, novas práticas violentas de bruxaria têm aparecido. Há duas semanas, a polícia afirmou ter encontrado uma vela feita de banha humana.

LEIA MAIS
sobre bruxaria na pág. 3-3

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