São Paulo, domingo, 25 de setembro de 1994
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A mãe de Napoleão

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Era comum, nos tempos do Império Romano, decidir-se a sucessão no trono através de farta distribuição de sestércios entre as tropas acampadas perto de Roma. Elas garantiam as combinações de bastidores. O sestércio era que nem o nosso real: moeda forte, aliás fortíssima, apesar de aceita em todo o mundo –defeito que o real não tem pois se trata, como o samba, a prontidão e outras bossas, de coisa nossa. (Tive vontade de informar: "apud Noel Rosa" e acabo informando mesmo. Não é todo o dia que se gasta um "apud").
Pulando de Roma para Juiz de Fora, temos a reincidência de Ricupero na pessoa de Ciro Gomes. Ele anuncia a queda do preço da gasolina, justo nos últimos dias da campanha eleitoral. Não é promessa de candidato. Basta uma penada sua, algumas linhas no expediente oficial –e pela primeira vez na história do Brasil o preço de um derivado do petróleo terá baixado. Como disse a mãe de Napoleão para o filho, quando este perguntou se ela gostara da cerimônia da coroação na Notre Dame, tudo bem, "quero ver é quanto tempo isso vai durar".
Citei Noel e Napoleão. Citarei Henri de Régnier –que foi pirateado por Vinícius no famoso "mas que seja infinito enquanto dure". A questão é essa: o Plano Real depende de reformas que dependerão do próximo sistema de forças políticas que, por espantosa coincidência, é o mesmo que está no poder há trinta anos. É dependência demais.
Melhor seria uma distribuição de sestércios na véspera da eleição –e aí entrariam Lula, Quércia, Amin e Brizola para acusar o novo governo de ilegítimo.
Pretendia continuar a linha de raciocínio, mas a perdi porque o telefone tocou e tive de atender a uma dama que reclamava grave delito de minha parte. Vejo que o espaço está terminando e já mereci meus sestércios. Cometi a façanha de citar a mãe de Napoleão (com um "apud" ainda por cima) e posso ir para a praia comemorar a chegada da primavera. Com a desconfiança de que cumpri meu dever.

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