São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
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Uma nova realidade

OSMAR ZOGBI

O processo de estabilização da economia, embora debatido com abertura, não se impõe, diante de uma realidade inflacionária incontrolável e renitente, sem traumas ou sem entrechoque de interesses.
O Plano Real, ao instituir a URV como valor de passagem de uma economia inflacionária para outra estável, para que os preços pudessem ser realinhados, inibiu a partir da implantação da nova moeda qualquer aumento de preço que pressionasse a inflação.
E obrigou todos a aceitarem uma negociação interna, dentro da própria cadeia produtiva.
Essa decisão imperiosa inverteu a regra do jogo econômico, acabando com o costume de ir repassando os aumentos de preços, verificados ao longo da cadeia produtiva, sem qualquer negociação.
Como se já não bastassem as angústias naturais provocadas pela insegurança de um sistema econômico descontrolado e a nossa teimosa coragem de investir na produção, quando a lógica e a prudência nos apontava o caminho da especulação, agora, mais uma vez, estamos sendo colocados em situação difícil, que nos exige muita criatividade.
Ao mesmo tempo em que temos de enfrentar a administração dos nossos negócios, ainda com muitas e inseguras interrogações, estamos exercendo com criatividade a dura arte da negociação interna, dentro de nossas respectivas cadeias produtivas, que é a condição liminar para não nos levar a desgastes irreparáveis.
O governo está administrando os preços com mão-de-ferro. A tática adotada é a de não permitir repasses de aumento para o consumidor final, que embora possam parecer justos, são indesejáveis.
A estabilização da economia, que todos queremos, é o objetivo principal a ser alcançado. É boa para toda a sociedade e em especial para os que investem na produção.
Esta é a razão principal que nos deve orientar e fazer com que nos dediquemos a encontrar fórmulas de entendimento entre os elementos do processo.
Somos capazes de negociar. Afinal, é da essência da nossa atividade. O que vamos precisar é adotar novas direções.
Dentro desta nova ordem, os empresários, que insistem em recorrer ao puro e simples aumento do preço final dos produtos, podem estar revelando, na verdade, pouca competência na administração de seu negócio.
No estágio atual da economia brasileira, os industriais têm de ficar menos preocupados com especulações sobre as imaginárias taxas de inflação futura e se aprofundar na obtenção, dentro de suas empresas, de uma boa relação entre produtividade e salários, qualidade e custo.
Quanto a isto as empresas têm dado demonstrações inequívocas de competência. A indústria no Brasil tem investido forte em qualidade. Consegue expressivos ganhos de produtividade ano a ano. A massa salarial aumenta em termos reais.
A taxa de emprego se mantém razoavelmente estável nos últimos 18 meses; a qualidade dos produtos fabricados tem melhorado significativamente, o que está demonstrado pelo certificado ISO, que nossas empresas têm obtido, e pelo aumento das exportações.
Estes fatores, aliados ao regime de controle da inflação e de estabilidade da moeda, criam um clima mais favorável para a instalação de nova cultura, mais madura e responsável, onde a expressão negociar assuma seu significado verdadeiro, de compreensão saudável, não de imposição intolerante.
No atual momento de transição, as empresas estão sendo oneradas por políticas de câmbio e de juros altos, que lhe são adversas e dificultam o seu dia-a-dia.
Contudo achamos que vale o sacrifício, em um período de transição necessário para a obtenção da tão sonhada estabilidade econômica, que irá beneficiar toda a sociedade.
Esta consciência, no entanto, não pode ser interpretada como um afastamento da busca das necessárias reformas estruturais, especialmente a tributária e fiscal, além da previdência, tese que continuamos a defender com muita convicção.
Para nós, o pleno desenvolvimento, que garante empregos e salários a partir da melhoria da qualidade e ganhos de produtividade, só será alcançado quando libertarmos a economia.
E para isso, é preciso romper também os grilhões corporativistas, que aprisionam o país há décadas, o que só será conseguido com a mobilização da sociedade em torno destas teses.
O quadro político do Brasil contemporâneo exige a participação de todos nesse processo de transformações. A responsabilidade é de todos, não só de governo e empresários.
Estes objetivos têm de continuar a serem perseguidos para que realmente o Brasil se transforme num país economicamente moderno, competitivo, desenvolvido e justo.
Cabe a nós, cidadãos, evitar que o Plano Real não seja só mais uma efeméride, para ser registrada na história da economia nacional.

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