São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
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Bancos choram demais e pagam de menos

SÉRGIO ROSA

A lucratividade do sistema financeiro nas últimas décadas dispensa maiores comentários. É do conhecimento de todos o desempenho sempre acima da média dos bancos, favorecidos pela ciranda financeira e pela concentração de serviços que a sociedade entregou a eles, sem ter recebido, em contrapartida, bom atendimento e investimentos na produção.
Para comprovar a excelente situação basta ver os balanços do primeiro semestre de 94. Os 50 maiores bancos do país tiveram lucro de US$ 2,8 bilhões, enquanto as 50 maiores empresas nacionais tiveram lucro acumulado de US$ 287 milhões.
O Bradesco teve um lucro 92,7% maior que no primeiro semestre de 92. E isto não foi nenhuma exceção.
A realidade dos bancários é completamente diferente. Nos últimos 12 meses, a inflação medida pelo ICV-Dieese foi de 4.370,53%, enquanto a correção dos salários ficou em apenas 1.937,66%. Daí a nossa reivindicação de reajuste de 119%, para melhorar um piso salarial que é de R$ 259.
Também nos últimos quatro anos o sistema financeiro foi responsável pela redução de 156 mil postos de trabalho. Daí decorre nossa reivindicação de garantia do nível de emprego.
Durante as negociações, no entanto, os bancos afirmam que não podem nem pensar em recompor os salários dos bancários e garantir seus empregos.
Segundo os banqueiros, o sistema estaria vivendo um momento muito delicado e não teria condição de negociar muito acima do que determina a lei.
Os bancos não admitiram sequer a proposta flexibilizada apresentada pelos bancários, de pagamento imediato de 53% de reajuste, com parcelamento do restante e garantia do emprego por 180 dias.
A campanha salarial é marcada por dois temas. O primeiro é se a lei para os salários é justa e suficiente. O segundo é se o sistema financeiro tem realmente dificuldades que impeçam uma negociação adequada.
Nos parece claro que o tratamento dos salários dentro do plano econômico não vai se sustentar por muito tempo. Quando convertidos pela média, os salários já consolidaram uma perda anterior. Depois, sofreram com a inflação tanto em URV quanto em real.
Como a inflação persiste (mesmo que por ora em índices reduzidos) é evidente que novas perdas ocorrerão. E a regra de só permitir reajustes a cada 12 meses é mais do que draconiana. É insustentável que os salários convivam com regras rígidas, enquanto os preços permanecem em regime de liberdade.
Quanto ao desempenho dos bancos, é evidente que a situação atual nem é tão dramática e muito menos pode ser vista como duradoura. A maior parte dos bancos está sobrevivendo muito bem a este período.
O governo vem criando uma situação claramente artificial para o sistema financeiro, praticando uma política de juros e de recolhimento dos compulsórios que também não pode se sustentar por muito tempo.
Os bancos têm muita gordura para queimar e o regime a que estão provisoriamente submetidos está longe de ser rigoroso.
De qualquer maneira, acreditamos que nem a situação anterior nem a atual correspondem a um perfil do sistema financeiro desejado pela sociedade.
Os bancos precisam se preparar não apenas para manter seus lucros em cenário de baixa inflação. Os bancos precisam é se preparar para financiar o desenvolvimento nacional e atender bem a seus clientes.
Os bancários propuseram fazer esta discussão. Queremos debater o perfil dos bancos, a qualidade do atendimento e até o nível de investimentos em automação.
Apesar de todos os nossos esforços, percebemos que os banqueiros ainda estão pouco sensíveis a esta nova realidade que a sociedade e os bancários exigem. Na sua pauta de preocupações só existe lugar para a manutenção dos lucros.
Salários, emprego e crédito são apenas problemas que eles resolvem quando pressionados. E cabe à sociedade pressionar.

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