São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
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Sublimação da realidade

LUÍS NASSIF

A psicologia já estudou exaustivamente esse mecanismo interno que leva as pessoas a sublimarem a realidade, como alternativa a ter de enfrentar problemas.
Alguns exemplos práticos e educativos:
Caso 1: Nossos fisiológicos são mais cívicos do que os outros.
Nos últimos tempos, essas figurinhas carimbadas, chamadas de "intelectuais engajados", transformaram Itamar em estadista, a fraqueza do ex-ministro Rubens Ricupero em virtude, e coronel nordestino em símbolo da modernidade.
A última do pedaço foi proporcionada por um sociólogo tucano que, neste domingo na Folha, sustentou que a direita (entendido aí, os conservadores) "reciclou sua estratégia com senso cívico raramente demonstrado no passado". O senso cívico, no caso, foi o apoio fornecido ao candidato do sociólogo, que lhes permitiu continuar com o poder.
Para esses intelectuais, provavelmente as reformas serão conquistadas com toda lhaneza. Durante um concerto no Itamaraty, o presidente-sociólogo se aproximará do coronel-senador e, tendo ao fundo "As Quatro Estações" de Vivaldi, solicitará: "Senhor coronel, permita-me mudar a Sudene e a área social do governo?". "Pois não, senhor presidente-sociólogo, faça o que achar melhor para o país".
E, na chapada central, as massas entoarão loas pelo fato do Brasil finalmente estar há duzentos anos nas mãos de criaturas tão patriotas e modernas.
Caso 2: A chuva seletiva no viaduto do chá.
Meses atrás esta coluna alertou para os problemas que o Banco do Brasil, e os bancos públicos em geral, enfrentariam com o Real, pelo fato de não terem aprofundado seu processo de ajuste.
A resposta do BB foi uma nota oficial idiota. "Todo mundo sabe", dizia a nota, que o fim da inflação vai prejudicar todo o sistema financeiro, menos o Banco do Brasil. Seria o mesmo que chover no Viaduto do Chá, molhar todo mundo, menos o funcionário do BB.
No início, tomei por deboche. Depois, em sucessivos debates com funcionários do BB, ficou claro de que fazia parte do discurso oficial da diretoria do banco, para justificar sua própria abulia.
Veio o Real, os bancos que fizeram o ajuste estão no azul, e o BB acumula um prejuízo considerável. E a personalidade fulgurante do sr. Alcir Calliari, presidente do BB? Assim que começou a campanha salarial dos bancários, tratou de tirar férias porque ninguém é de ferro. Só o contribuinte.

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