São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
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Sudanês anda 1.200 km para fugir de guerra

MARCUS FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

O adolescente sudanês Joseph John Jamal, 17, entrou clandestinamente no Brasil no último dia 10 de julho, depois de fugir de seu país escondido em um navio de transporte de açúcar.
Ele diz ter fugido do Sudão (o maior país da África, no nordeste do continente) "por ser cristão". O país vive uma guerra civil entre cristãos e muçulmanos. Os cristãos são maioria no sul do país, enquanto os muçulmanos dominam o norte.
Jamal desembarcou no porto de Santos (68 km a sudeste de São Paulo), sem saber qual era o destino do navio grego Maro, no qual se encontrava.
"No Sudão, a maioria é muçulmana. Por serem cristãos, meus pais foram mortos. Qualquer lugar é melhor do que o meu país", diz.
Para fugir, Jamal diz ter andado cerca de 1.200 km (praticamente a distância entre São Paulo e Brasília).
Ele foi de Juba, cidade no interior do Sudão, até o porto de Mombaça, no Quênia.
Jamal passou 45 dias a bordo. Ficou quatro dias escondido na casa de máquinas sem comida ou água. No quinto dia, se entregou ao capitão da embarcação.
Ao chegar em Santos, Jamal deixou o navio da mesma maneira que entrou: escondido.
Além do idioma abesh, ele fala inglês. Após 12 dias vivendo como indigente, foi recolhido pela família de Elenita Candido, 35.
"Ele bateu na porta da minha casa, gesticulando que queria comer. Dei comida e meu filho, que fala inglês, começou a descobrir tudo o que tinha acontecido", afirma a dona de casa.
Mãe de quatro filhos e mulher de um caminhoneiro, Candido mora em uma casa pobre no morro da Penha, região central de Santos.
"Onde comem seis, comem sete. Na rua é que ele não ia ficar. Agora, o que ele precisa é voltar a estudar e arrumar um emprego", disse.
O maior temor de Jamal é ser mandado de volta. "Milhares fugiram de Juba. Quem não fugiu morreu de fome, doença ou assassinado. Quero ficar na terra de Pelé."

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