São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Glória e poder

FLORESTAN FERNANDES

À medida que se contrai o espaço geopolítico e militar dos EUA, como consequência da globalização da economia mundial sob novas tecnologias e dinamismos do mercado, mais esse país se volta para as Américas. Em um mesmo momento de violência, ele procura obter submissão para converter o antigo quintal em território soldado a seus interesses econômicos, culturais e políticos.
O governo ditatorial vigente no Haiti não pode receber o apoio racional de ninguém. Cabe aqui a pergunta: por que a intervenção não se deu quando os militares tomaram o poder e expulsaram o presidente Jean-Bertrand Aristide, participando os EUA da discussão do assunto na OEA e resolvendo-o democraticamente nessa instituição? Só quando surgiu um presidente norte-americano ávido por melhorar sua porcentagem de apoio popular e o governante haitiano deposto pelo golpe aderiu às concepções "neoliberais", contrárias à sua plataforma política, corporificou-se uma solução arbitrária.
De espinha dorsal vergada, Aristide volta como um governo fantoche, pronto a obedecer às sinalizações de Washington e destituído de poder para realizar as reformas que pretendia implantar. Mais fraco que a ditadura militar, "comerá o alpiste nas mãos" adversas dos protetores.
No mesmo movimento de violência pretendem os EUA incluir Cuba, o alvo verdadeiro da aventura. Todos os países das Américas querem transformações em Cuba. O próprio governo cubano se antecipou, proclamando essa pretensão diplomática ao vizinho que o provoca e arruinou o país por um bloqueio devastador e prolongado.
As condições do início da revolução desapareceram. Diante da solidariedade passiva e covarde da OEA e do malogro da economia, o que resta a Cuba? As nações centrais quebram, aqui e ali, as disposições rígidas do bloqueio. O país alimenta-se e sobrevive por seu orgulho e coragem. Sabemos, porém, que "em casa onde não há pão, todos gritam e todos têm razão".
O caso cubano demonstra que os EUA são uma nação impiedosa, que só apaga o ódio reduzindo a cacos os que estejam dispostos a desafiar sua tirania. Acredito que estão com a razão os cientistas sociais e os escritores norte-americanos que afirmam existir uma vasta rede de fascismo potencial em seu país. A democracia, lá implantada, deixou há muito tempo de ser idílica e de ostentar-se como utopia, como pensou ingenuamente o sábio Tocqueville.
Seu símbolo é uma ave de rapina. As retaliações econômico-financeiras contra o Japão e a "guerra do Iraque" põem a nu como o fascismo potencial se expande. Glória e poder, no entanto, até quando? Os grandes impérios estão sujeitos a desmoronar. O que restará da grandeza e poderio dos EUA quando esse momento histórico crítico chegar? Os atos de contrição nunca apagam a fúria enraizada e a sede de vingança.

Texto Anterior: IMPARCIALIDADE; PROPOSTA INDECENTE; CADEIRA PERPÉTUA; QUE INFERNO!
Próximo Texto: Por que a CUT se alia à Fiesp
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.