São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
Próximo Texto | Índice

A nova televisão brasileira

ROBERTO MUYLAERT

A televisão, bode expiatório ou panacéia para os males do país, está sempre no centro de todas as discussões, principalmente em momentos eleitorais. Mas quem queira se debruçar sobre a questão do poder da mídia de maneira menos imediatista deve se perguntar: como seria a televisão brasileira em um governo que demonstre real vontade política de melhorar a condição e a qualidade de vida dos brasileiros?
De início, vale lembrar o óbvio. Televisão é poder. Talvez o mais influente em nossa terra, por sua força única de penetração e persuasão. Ela tem inegável influência na moral e nos costumes da enorme população cativa que assiste todos os dias, no mesmo horário nobre, àqueles programas que têm o mérito de conquistar todas as camadas socioeconômicas, do palacete à favela.
Não se trata, é claro, de monopólio "strictu senso", já que se algum concorrente da emissora líder conseguir se sobrepor a ela nos índices de audiência, não haverá decreto que proíba o telespectador de exercer seu poder de escolha.
Monopólio mesmo é o da Petrobrás ou da Embratel, pois ainda que alguém pudesse prestar melhor serviço, atraindo assim o interesse e o desejo do consumidor, estaria impedido de fazê-lo.
O caso das televisões configura monopólio de outra natureza, já que o peso da audiência torna muito difícil que um produto vingue no mercado sem ali anunciar, da mesma forma como torna-se árdua a vida de um político que enfrenta forte oposição eletrônica.
Há evidências que um dos últimos presidentes deste país, ao assumir o posto máximo da nação, perguntou a seu espelho mágico: "Há alguém mais poderoso do que eu?" A que o espelho respondeu: "Sim, uma emissora de televisão".
Impetuoso, ele teria tentado reforçar, em benefício de sua imagem, uma das redes existentes, procurando superar essa única desvantagem. A conjectura pode não ser verdadeira, mas o projeto, por coincidência, desabou junto com o impeachment.
Falsas ou verdadeiras, mais ou menos folclóricas, há muitas outras histórias nebulosas envolvendo concessões, regulamentações e transmissões de televisão no Brasil.
Vale lembrar que emissora de televisão é concessão de um serviço reservado ao poder público, que as empresas privadas exercem em seu nome, supostamente em favor da população, como estabelece a nossa Constituição em seu artigo 221.
Ainda hoje se pergunta: qual é o órgão do governo que exerce o papel de interlocutor na avaliação de como a concessão está sendo levada adiante, com que parâmetros, com que atenção para os graves problemas sociais que atingem a população desse território-continente? Nada a ver com a censura, muito menos com estatização, mas com a legítima preocupação de entrar no mérito de uma questão, que por erro semântico julga-se estar afeta ao Ministério das Comunicações, que é um órgão eminentemente técnico.
Também problema semântico é julgar que um país com tantas carências no ensino esteja resolvendo seu problema de tele-educação só porque tem televisões denominadas educativas.
Elas têm os vícios das repartições públicas, o que praticamente inviabiliza o desempenho de sua atividade-fim: a de procurar dar condições para que os abnegados professores da rede pública tenham, através do ensino à distância, um mínimo de orientação e de material didático para elevar o nível das escolas nos mais remotos rincões do país.
Assim como o resgate dos nossos graves problemas sociais passa pela televisão comercial –que é competente e terá idéias criativas para dar, desde que se lhe peça isso–, o resgate do problema de ensino passa por uma televisão educativa moderna, saltando 20 anos de atraso, num país em que as tecnologias de ponta estão disponíveis, do satélite ao CD rom.

Próximo Texto: O nome das coisas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.