São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 1994
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O nome das coisas

PAULO SÉRGIO PINHEIRO

O começo da sabedoria é chamar as coisas pelos seus próprios nomes
(Provérbio chinês)

Uma sociedade civil é um espaço público, no qual as diferentes forças sociais devem exprimir, com o mesmo peso, as suas convicções. Se o Estado e o poder econômico se articulam, com expressiva parcela da mídia, dificilmente podemos constituir uma vida democrática.
Não basta que cada grupo tenha a sua concepção política. É necessário que ele possa se expressar como coisa pública. A mídia portanto tem um papel decisivo. Ela filtra opiniões, constrói pontos de vista.
O poder dos políticos em muitos Estados do Brasil é fundado no controle da mídia. A listagem é impressionante. As famílias dos ex-presidentes Sarney e Collor têm cada uma, uma estação de televisão e quatro e três rádios respectivamente, nos Estados do Maranhão e Alagoas. O ex-governador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) tem uma televisão que atinge 1 milhão de domicílios, chegando a 132 dos 415 municípios baianos.
Os ex-governadores José Agripino Maia (PFL-RN), Jader Barbalho (PMDB-PA) têm TVs e rádios; Edison Lobão (PFL-MA) tem rádio. Os senadores Albano Franco (PSDB-SE), Odacir Soares (PFL-RO), Julio Campos (PFL-MT) têm TVs e rádios; Hugo Napoleão (PFL-PI), Mansueto Lavor (PMDB-PE), Gilberto Miranda (PMDB-AM) têm rádios.
No Brasil, 89 parlamentares, membros do próprio Congresso Nacional que decide sobre as concessões, têm redes de TV e rádios, a começar do presidente do Congresso, Inocêncio de Oliveira (PFL-PE) que tem uma televisão e três rádios.
Os restantes –como lembrava o professor Leônidas Xauzasa, na reunião da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Foz do Iguaçu– que não têm antenas, temem os que têm. O resultado é a imobilização no Congresso Nacional de qualquer medida que vise pôr abaixo esse evidente abuso.
Cada grupo privado (são sete apenas), controla a televisão em todo o país numa virtual situação de oligopólio que cobre 70% dos aparelhos. Muitas concessões estão divididas entre membros da mesma família, concessionárias dessas redes, para escapar à exigência de lei que proíbe a concentração em mais de dez concessões de televisão.
É precisamente naqueles Estados, menos populosos e super-representados no Congresso, com os piores indicadores sociais, que há menos transparência. Em alguns desses Estados estão as maiores concentrações de analfabetismo: 46% no Nordeste e 35% nos Estados do Norte, graças à incúria e incompetência de seus governantes, segundo dados do TSE, publicados pela Folha.
Ali os políticos locais controlam a mídia –televisão, rádio (o governo Sarney distribuiu 1.080 concessões) e a imprensa. Não há no Brasil, como em outras democracias, restrições ao "broadcast newspaper cross ownership", a propriedade, por um mesmo grupo econômico, de diferentes meios de comunicação (jornal, revista, rádio, TV).
As falhas no sistema de representação e na transparência cria obstáculos para o desenvolvimento humano e para as possibilidades de organização da sociedade civil. O subdesenvolvimento de várias regiões no Brasil não é produto da fatalidade ou da patologia. É a consequência concreta do controle oligárquico de instituições (representação, mídia, instituições judiciais, política) e dos recursos econômicos do Estado (privatização dos orçamentos do Estado através da corrupção).
As oligarquias políticas, por meio do controle da mídia eletrônica, tornam a transparência impossível e impedem o fortalecimento das instituições. Vide a grita do Senado contra a autonomia do TSE ao cassar, com muita justiça, o senador Humberto Lucena por peculato.
A transparência é requisito crucial para tornar as classes dirigentes e os funcionários do Estado passíveis de serem responsabilizados pelos eleitores. Aqui, dez anos depois do final do autoritarismo, as não-elites não controlam as elites.
Especialmente nas eleições presidenciais. Todos esses aspectos estavam claríssimos desde a eleição de Fernando Collor, há cinco anos, e nada se fez.
Até agora não foram implantados todos os mecanismos previstos na Constituição de 1988, como o Conselho de Comunicação Social, para impedir o atual conluio entre a mídia eletrônica, a máquina do governo e grandes grupos econômicos para sustentação de candidaturas oficiais.
As redes retransmissoras do PFL fazem propaganda de seus donos e candidatos às escâncaras, fora do horário eleitoral. O ministro da Fazenda virou garoto-propaganda da campanha governista e a esmagadora maioria dos noticiários são diários oficiais da campanha do senador Fernando Henrique Cardoso. Para Luiz Inácio Lula da Silva realçam-se as críticas e aspectos negativos ou garante-se o silêncio. Os outros candidatos foram reduzidos a ectoplasmas.
Chega de dissimulação. Nessa emergência, para suprir a falta dos mecanismos de controle democrático da mídia eletrônica, é urgente que as autoridades responsáveis, as entidades da sociedade civil, como a OAB, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), de forma suprapartidária, e os próprios partidos monitorem a mídia eletrônica e imponham correções devidas já. Para garantir o acesso democrático dos eleitores às informações nesse final de primeiro turno e no segundo.

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