São Paulo, terça-feira, 27 de setembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Polícia do Haiti passa ao comando americano

CLÁUDIO JULIO TOGNOLLI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

A medida mais estratégica e delicada da ocupação americana do Haiti foi anunciada ontem: a entrega do poder da polícia nacional ao comando dos Estados Unidos. O chefe de polícia Michel François, apontado como o maior torturador do Haiti, entregou o comando de suas tropas aos coronéis americanos Michael Sullivan e John Altembourgh.
"Não quero que minha polícia cause problemas nas negociações de paz", afirmou ontem François.
No norte do país, um grupo de partidários do presidente deposto Jean-Bertrand Aristide tomou Le Borgne, perto de Cabo Haitiano. "Le Borgne foi atacada por civis armados por causa da situação que se desenvolveu no norte do país", disse o coronel haitiano Pierre Antoine. As forças de segurança do Haiti se retiraram de Cabo Haitiano depois que confronto com fuzileiros navais dos EUA deixou dez haitianos mortos.
No domingo, os EUA confiscaram 150 fuzis M-16 que estavam no quartel de polícia nacional de Cabo Haitiano (270 km ao norte de Porto Príncipe).
O Exército dos EUA já confiscou e destruiu um lote de 3.000 armas, depositadas no Camp de Application, um campo de futebol que a polícia nacional usava para treinamentos militares.
O comando conjunto das forças dos Estados Unidos anunciou a abertura de 30 postos, em Porto Príncipe, para a compra de armas em poder da população do Haiti.
Às 9h25, quando se completavam exatos sete dias da invasão norte-americana, o coronel Barry Willey começou a distribuir os preços "do mercado".
Serão pagos US$ 50 para cada revólver calibre 38. Pistolas semi-automáticas valem US$ 100, e as automáticas, US$ 200.
Metralhadoras serão compradas a US$ 300. Esse mesmo preço será pago por lança-foguetes e bazucas. Cada granada ou carga explosiva valerá US$ 100.
Estima-se que pelo menos 15 mil armas estejam espalhadas pelos 27.780 quilômetros quadrados do Haiti. Ou uma arma a cada dois quilômetros quadrados.
Para comandar a polícia haitiana foram instalados oficiais da polícia do Exército americano em cada quartel da polícia nacional.
Eles serão acompanhados por oficiais do Exército haitiano, numa espécie de força conjunta –grupos de dez pessoas com haitianos que falam inglês e americanos com fluência em dialeto crioulo.
Também ontem foi anunciado que o governo Raoul Cedras permitiu a reconstrução da polícia nacional por meio de um plano a ser elaborado pelo Departamento de Justiça dos EUA.
Com essa resolução, os EUA repetem no Haiti os mesmos passos dados na invasão do Panamá, em 1989, quando a Operação Justa Causa desembarcou naquele país com um Exército de 15 mil homens.
Naquela época, desarticular e refazer a polícia do Panamá –fiel ao ditador Manuel Noriega, condenado por narcotráfico nos EUA– foi o maior trabalho dos militares norte-americanos.
Ontem, além da compra das armas, a novidade ficou por conta da saída às ruas de 16 oficiais das Nações Unidas. São comandados pelo coronel francês Guy Starky e fazem passeios em Porto Príncipe sempre cercados por quatro carros militares Hummer.
A presença da ONU e a criação das centrais de desarmamento fazem parte de um pacote de medidas para conter a violência, articulado numa reunião no domingo entre o general Henry Hugh Shelton, comandante supremo das forças dos EUA, e o homem-forte do Haiti, general Raoul Cedras.
Ontem saiu do aeroporto internacional de Porto Príncipe às 13h, com destino à Pensilvânia, o último avião Hercules C-130 que transportava jornalistas.
O coronel Jerome Brown, responsável pela Divisão Aerotransportada dos EUA, disse à Folha que a aviação comercial se restabelecerá em Porto Príncipe "num prazo menor que uma semana".
A partir das 11h de ontem, pelotões do Exército norte-americano começaram a marchar em torno do aeroporto internacional em manobras específicas para conter efervescências populares. Já se inicia o teatro de operações para o retorno do presidente deposto, Jean-Bertrand Aristide.

Texto Anterior: Júri começa a ser escolhido
Próximo Texto: EUA anunciam suspensão do boicote
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.