São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 1994
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Pequena história da eleição presidencial

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

Pela primeira vez na história do país, nenhum candidato conservador disputa a eleição presidencial com chances de vitória. O PFL desistiu de lançar ACM para apoiar o PSDB, e Paulo Maluf decidiu não concorrer quando suas bases o abandonaram diante do crescimento de FHC.
A eleição se polarizou entre um partido social-democrata (PT) e um liberal (PSDB) coberto por um verniz de esquerda. De todo modo, a exclusão dos conservadores retirou do pleito a radicalização que marcou 1989 –daí a sensação de que a campanha está morna e insossa.
Essa exclusão não é acidental, mas resulta de um lento deslocamento da hegemonia política rumo à esquerda. Esse processo, fundado na extensão do direito de voto às camadas majoritárias da população (trabalhadores assalariados e autônomos), é o responsável pelo crescimento dos partidos que representam esses segmentos.
Durante toda a República Velha o Estado foi dominado por partidos conservadores (Partido Republicano Paulista, Mineiro etc.), organizados pelas camadas que concentravam a riqueza (fazendeiros, comerciantes, industriais, banqueiros). Na época, os trabalhadores estavam efetivamente excluídos do sistema político, e suas reivindicações eram reprimidas com violência, como revela a frase de Washington Luís: "A questão social é uma questão de polícia."
No final dos anos 20, porém, o domínio conservador mostrava sinais de desagregação. Revoltas militares se sucediam, enquanto os partidos republicanos se dividiam. Surgiram dissidências liberais (Partidos Democráticos de SP e DF, Partido Libertador) que, embora formadas pelos mesmos grupos sociais que integravam os partidos republicanos, pregavam o atendimento de algumas reivindicações dos trabalhadores.
Ora, por que uma classe se divide em partidos diversos? Desde Maquiavel sabemos que todo poder se baseia em dois elementos: na força (repressão aos governados) e no consenso (consentimento dos governados). O problema, diz ele, está em saber o que é melhor, ser amado (conceder benefícios materiais aos governados) ou temido (reprimir os governados).
É essa escolha que divide uma classe em partidos: os conservadores priorizam a força, enquanto os liberais governam pelo consentimento. A mesma cisão se dá entre os partidos que representam os trabalhadores: os social-democratas procuram alcançar a hegemonia pelo consenso, enquanto os comunistas enfatizam a força. Como a distribuição do poder acompanha a distribuição da propriedade, os primeiros procuram reduzir a concentração de renda (aumentos salariais), enquanto os comunistas pretendem mudar as formas de propriedade de um golpe.
No Brasil, apesar das mudanças no sistema partidário, é possível notar a presença dessas quatro vertentes (que se desdobram ou se condensam segundo a conjuntura) desde a década de 20. As dissensões entre os conservadores no período prenunciaram a Revolução de 1930, que levou ao poder um bloco liberal, responsável pela concessão de direitos políticos (voto da mulher) e sociais (legislação trabalhista).
A redemocratização em 1945 explicitou a hegemonia liberal, que passou a ser exercida pelo PSD. Os conservadores, agora na oposição, se agruparam na UDN enquanto que, no outro pólo, surgia o primeiro grande partido social-democrata –o PTB, ligado à estrutura sindical.
A dissolução desse quadro partidário se deveu ao crescimento do PTB, que em 1962 já havia superado a UDN no Congresso e empatado com o PSD. O Movimento de 1964 barrou a instauração da temida "República Sindical", colocando a esquerda na ilegalidade. Os conservadores (Arena) retomaram o controle do Estado, enquanto os liberais eram empurrados para a oposição (MDB). A repressão se generalizou.
O crescimento do MDB após 1974 solapou o domínio arenista, provocando o racha conservador de 1984 (PDS/PFL) e a chegada do PMDB ao poder em 1985. Mas o fracasso da "Nova República" dividiu os liberais em 1988 (PMDB/PSDB) e os levou à derrota em 1989.
Os conservadores, também desgastados, encontraram contudo um nome que se apresentava desvinculado das organizações tradicionais da direita. A vitória de Fernando Collor redundou porém em fracasso, que reconduziu os liberais ao poder, agora sob a hegemonia do PSDB.
Tantos insucessos –impeachment, CPI da Corrupção, fim da revisão– só confirmam o estreitamento do campo conservador: a eleição de 1985 foi disputada com candidato próprio, a de 1989 com um candidato avulso e a deste ano com um candidato emprestado aos liberais. Tal estratégia de recuo é a contrapartida do avanço da social-democracia –que está empurrando o centro do poder cada vez mais para a esquerda.

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