São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 1994
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Romanos e euclidianos também curtem O.J.

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Imagine o descalabro, ó tarimbado leitor. Minha amiga Bucicleide se recusa terminantemente a acompanhar a evolução do caso O.J. Simpson.
Bucicleide, ou melhor, Cleide em deferência à onomatopéia, acha de um pedestrianismo ímpar estar antenada no chorrilho de trivialidades que vem sendo despejado sobre nossas cabeças desde que o crime ocorreu, em junho passado. "Essa história é uma bobagem e não me diz respeito", protesta a amiga. "Quem, com um mínimo de dignidade, pode se interessar por esse tipo de dramalhão folhetinesco?"
Bem, talvez, gente como eu, para quem a fofoca é parte integrante do ganha-pão ou, quiçá, outros milhões de pessoas a quem os dramas alheios servem como combustível para acender desde banais conversas de boteco até fantasias ocultas.
É vileza estar vivamente interessado em saber se o sangue encontrado na luva que estava ao lado do corpo da mulher de O.J. pertence ao ex-astro de futebol americano? É torpeza estar a par dos critérios usados na seleção do júri que irá dar a sentença ao ex-garoto-propaganda da Hertz?
Nesse caso, pode-se concluir que, desde os tempos em que os romanos davam ouvidos aos relatos de Suetonius sobre as atrocidades passionais cometidas por Tiberius, Calígula e Nero, somos todos pedestres de quadragésima categoria.
Buci, digo, Cleide, não deve estar ciente de que, passados 85 anos da morte de Euclides da Cunha, um grupo de senhores ainda se reúne anualmente em São José do Rio Pardo para, entre outros temas euclidianos, dissecar a reputação de Ana Ribeiro da Cunha, mulher do célebre escritor e pivô de seu assassinato.
Em 16 de agosto de 1909, um dia depois que Dilermando de Assis, amante de Ana da Cunha, matou a tiros –e em legítima defesa– o escritor e herói republicano, todos os principais jornais do país noticiaram a tragédia ocorrida no bairro da Piedade em fartas manchetes.
Por seis anos, antes mesmo de o caso voltar à baila com a morte do filho de Euclides, também assassinado por Dilermando ao tentar vingar o pai, o crime continuou rendendo notícia.
Portanto, a Bucicleide que se acalme. Mesmo porque, ela reclama, reclama, mas sabe direitinho os nomes do promotor e do juiz do caso O.J.

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