São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 1994 |
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E Deus criou Brigitte Bardot há 60 anos
SÉRGIO AUGUSTO
Dezessete cineastas a dirigiram entre 1952 e 1956, mas apenas Vadim percebeu o fenômeno que tinha nas mãos. Brigitte não era uma "gamine" como outra qualquer, mas um vulcão de sensualidade, dinamite acesa numa mecha dourada. Para todos os efeitos, "E Deus Criou a Mulher" não é o 18º filme dela, mas o primeiro. Na época, um espanto: um filme francês à americana, kazaniano, cinemascopicamente aberto à luz solar e lawrencianamente panteísta, mais gestos, menos palavras. E muita nudez. Críticos e puritanos de todos os quadrantes cerraram fileiras contra a "exploração do corpo" da atriz e a maneira chocantemente espontânea como sua personagem encarava o sexo e tirava partido do prazer carnal. "Uma cabala de misóginos", contra-atacou o então crítico François Truffaut, um dos primeiros templários de Brigitte na imprensa. Cabelos de Melissanda, olhar de Colombina, contornos venusianos, nunca se viu "vamp" tão ingenuamente perversa, coquete e maliciosa. Ao contrário de tantas Cinderelas da tela (Marilyn, Sophia Loren etc), Brigitte não veio de baixo. Filha da burguesia, nunca passou fome, não teve de dar a volta por cima. Foi mais fácil para ela virar estrela –a maior da França em todos os tempos– e, ao mesmo tempo, uma antiestrela, um corpo com alma, a alma rebelde. Sua beleza era óbvia, quase agressiva, como o seu sex-appeal, descaradamente vulgar e sujeita a imitações (ontem: Norma Bengell, hoje: Claudia Schiffer, Vanessa Paradis). Mais que uma atriz, Brigitte impôs-se como um tipo, um estilo, um padrão –e até como uma certa maneira de viver descontraidamente, de preferência à beira-mar. Seu mito cresceu atrelado ao do balneário Saint Tropez, no sul da França, ao qual nunca deixou de ser fiel, nem sequer quando, há pouco menos de 30 anos, o substituiu temporariamente por Búzios, no litoral fluminense. Era então a sra. Bob Zaguri, seu quarto ou quinto amante oficial, numa linha sucessória que começa com Vadim, continua com Jean-Louis Trintignant, Jacques Charrier e prosseguiria com Gunther Sachs, Sacha Distel e outros menos lembrados. Com nenhum deles conseguiu ser feliz e com apenas um, Charrier, teve filho: Nicolas, 33, há décadas enfurnado na Noruega. Seus únicos filhos de verdade são os bichos que sua zoofilia militante não se cansa de recolher à arca de La Madrague, o eterno refúgio de Saint Tropez. Brigitte pertence a uma França que não existe mais –a França de De Gaulle, Simone De Beauvoir, Françoise Sagan, Henri Salvador e "Cinemonde". Seu último filme, "Colinot", é de 1973. Não quis se expor depois dos 40, abrindo uma exceção para a revista "Playboy", onde, fotografada por seu namorado Laurent Vergez, exibiu o púbis pela primeira vez. Ainda era uma gata. Dez anos mais tarde, restringiu-se a aparições radicalmente pudicas numa série de TV, "Brigitte Bardot Quelle Telle", dedicada às suas reminiscências cinematográficas e mitológicas. Àquela altura, todos já sabiam porque ela jamais faria uma "rentrèe". Quando da morte de Romy Schneider, em 1982, Brigitte convocou a imprensa e declarou: "Se eu tivesse continuado fazendo filmes, não estaria viva hoje. O fogo do cinema teria me destruído como destruiu Marilyn e Jean Seberg. O cinema é superficial, duro e injusto". Injusto porque insensível à natural deterioração física a que todos estamos sujeitos. Bem mais castigada pela idade que sua contemporânea Sophia Loren, que também acaba de entrar para o clube das sexagenárias, Brigitte recusou-se ao papel de Baby Jane. Preferiu preservar sua imagem clássica, guardada em seus velhos filmes: um animal a um só tempo frágil e perigoso, gentil e hostil, franco e traiçoeiro, angelical e diabólico. Próximo Texto: Búzios nunca foi a mesma após BB chegar como um temporal de verão Índice |
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