São Paulo, quarta-feira, 28 de setembro de 1994
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Búzios nunca foi a mesma após BB chegar como um temporal de verão

CARLOS HEITOR CONY
COLUNISTA DA FOLHA

Brigitte é hoje nome de travesti, mas nos meados do século designava uma jovem francesa que havia sido criada diretamente por Deus num filme de Roger Vadim de 1956. Coberta apenas por um lençol, ela começou a disputar com a americana Marylin Monroe a "pole position" de símbolo sexual da época.
A rival morreu como Ayrton Senna: na pista, quer dizer, na cama, numa curva existencial cuja mecânica até agora não foi bem explicada. Brigitte Bardot ficou sozinha no páreo até que, aos 39 anos, retirou-se para a vida privada, que no caso dela não foi bem privada. Passou a disputar outra categoria de celebridade –a de militante da ecologia e dos bons sentimentos–, tendo por rival outra americana, que, por azar, era também ex-mulher de seu ex-marido, o mesmo Roger Vadim.
Até o final dos anos 70, ela e Jane Fonda brigavam corpo-a-corpo em defesa de causas contra as bombas incendiárias no Vietnã e a favor das baleias e focas.
Antes de pendurar as chuteiras, no esplendor de sua glória, BB fez aquilo que Frank Sinatra só faria em final de carreira: veio ao Brasil. No caso de Sinatra, a vinda fôra anunciada milhões de vezes, a cada final de ano os astrólogos prediziam a visita de Sinatra como um fenômeno metereológico, inevitável como um eclipse. Mesmo assim ele custou a vir, e quando veio o Brasil nem melhorou nem piorou.
Com Brigitte Bardot foi diferente. Ela veio de repente, não como um eclipse, mas como um temporal de verão. E foi no final do verão de 1964 que ela aqui apareceu, um colunista social diria hoje que "a bordo" de seu namorado de então, um tal de Bob Zagury, que fez mais pelas nossas cores do que Romário e Bebeto juntos.
Depois de passar alguns dias no Rio, Brigitte foi para Búzios, distrito mais ou menos anônimo de Cabo Frio, e lá ficou uma temporada. Não era apenas ela que era famosa: o Brasil era também famoso por não produzir história.
A presença de BB no litoral encheu de orgulho as redações de maneira geral e a Prefeitura de Cabo Frio de maneira especial.
Brigitte estava no pedaço quando houve o movimento militar de 1964, que alguns chamavam de revolução e outros de quartelada. Brigitte podia, com o barrete frígio da Revolução Francesa, ser mais do que símbolo sexual: podia ser a encarnação da própria República. A moça tinha experiência no setor e foi dela a primeira e mais devastadora definição do movimento militar: achou-o "adorable".
Os militares não gostaram, mas o prefeito de Cabo Frio continuou adorando a moça. Em nome dos municípios locais, doou um terreno a Brigitte –território do qual ela nunca tomou posse, pois nunca mais voltou. Não foi esnobação: ela prestigiou o que pôde os brios da nação, gravou Carlinhos Lyra –"Maria Ninguém" correria mundo numa versão intimista, metade João Gilberto, metade Jean Sablon. Pela mistura deve-se admirar que Carlinhos Lyra tenha resistido a tanto.
Antes de Búzios, Brigitte já fizera famosa uma antiga vila de pescadores na Côte. Saint-Tropez virou marchinha de João de Barro e fantasia de Carnaval, mistura de havaiana pobre e odalisca rica, cuja peça de resistência era o umbigo de fora. Umbigo que, diga-se a verdade, era uma das maravilhas da "sex symbol", que, no embalo, chegou a anunciar a vontade de se retirar definitivamente do mundo e, como a inflação, viver para sempre entre nós.
Ninguém até hoje explicou a sua chegada. Muito menos a sua saída. Um dia acordamos sem ela. Foram feitas múltiplas e contraditórias conjecturas. Búzios e Cabo Frio continuaram a produzir histórias, pois em lugar da Bardot surgiu um delegado chamado Belot, que cismou de proibir o umbigo de fora das moças da região. Os rapazes podiam.
Belot podia ser uma rima para Bardot, mas nunca seria uma solução. Até o regime militar achou que era puritanismo demais: a nudez do umbigo não foi castigada.
Brigitte mandou-se sem aviso prévio, e duas correntes de pensamento foram abertas para explicar a retirada de seu time de campo. Uma delas eram os mosquitos, ferozes em Búzios e adjacências, mas já havia eficazes repelentes de spray, além da artesanal bosta de boi.
A outra teoria era mais sofisticada: naquele tempo ("in diebus illis", diriam os evangelhos) ainda se encontrava em atividade o playboy carioca Jorginho Guinle, que tinha a fama de faturar "ex oficio" todas as atrizes de cinema que aqui bivacavam. Ao saber que corria tal e tamanho risco, BB fez o que estava a seu alcance: partiu, largou o cinema e foi cuidar das focas e baleias.

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