São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 1994
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Real ameaça laçar carro e cortar preços

ELEONORA DE LUCENA
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO

Na reta final da campanha eleitoral, o real continua no centro da disputa. Candidatos de todos os partidos tentam acoplar sua imagem ao êxito do plano econômico.
Nesta última semana saiu o número mágico da inflação de setembro: 1,51%. Um belo tombo, contra os 5,46% de agosto –a percentagem tão festejada pelo PT há um mês.
A força do número da inflação baixa é tão grande, que desnorteia todos os lados da competição. O governo, assustado com o sucesso do plano, fala que já identificou o "micróbio" do fracasso do plano –o ágio. O PT, na oposição, admite deixar para depois os reajustes salariais para facilitar a continuidade do ajuste.
O ministro Ciro Gomes adotou um estilo mais agressivo na Fazenda. Pelo menos na retórica. Fala em matar, prender, esquartejar e cortar o crédito de quem for contra o plano. Compara a situação atual com os momentos que antecederam a ruína do Plano Cruzado.
Só falta ordenar a captura a laço dos carros vendidos com ágio no país. Tal como em 86, quando o governo, vendo que o plano desmoronava, determinou que a polícia caçasse o boi gordo no pasto.
Naquela época, em função do abono salarial de 8% dado logo no início do plano, o consumo de carne subiu, havia congelamento de preços e o produto desapareceu dos açougues.
Hoje, sem abono e sem congelamento, os preços da carne aumentaram até 20% em um mês, o consumo de carne está 30% mais baixo do que há um ano e há desconto nos açougues de São Paulo.
O ministro esbraveja contra a alta dos preços, o ágio e o desabastecimento. De concreto, reduziu as tarifas de importação de 5.555 produtos, de carros a caviar. Mas admite que o efeito da medida para a queda dos preços não é de curto prazo.
Para as próximas semanas, é o próprio ministro que vê novas razões para a teimosia da inflação: a seca e os reajustes salariais. A cesta básica paulistana –a grande vitrine do Real– sobe há três dias.
Em contrapartida, Ciro Gomes acena com a queda nos preços dos combustíveis e de outras tarifas para logo depois das eleições. Para não conotar ação eleitoreira...
Já um economista do PT declara que deveria haver uma negociação entre empresas e trabalhadores para que os reajustes salariais de agora ficassem abaixo dos estabelecidos pelos índices oficiais. Em troca, teriam o compromisso das empresas de que não haveria repasse de aumentos para os preços. A reposição total das perdas ficaria para daqui a seis meses ou um ano.
Nem o ministro Ciro Gomes fez esta proposta. A medida provisória do Real estabelece a reposição das perdas salariais provocadas pela inflação na data-base de cada categoria. O economista do PT quer um esforço maior –em favor do plano do adversário político, em nome da estabilidade da moeda.
Na verdade, todos querem que o real dê certo e já ninguém acredita noutra vitória que não a do candidato do plano. Ninguém arrisca fazer qualquer previsão sobre os cenários sombrios dos ajustes necessários para o programa após as eleições.
Experiências semelhantes no México e Argentina provocaram aumento do desemprego e redução nos salários. Até agora a candidatura oficial joga a conta do plano para depois.
Só daqui a alguns meses se saberá quem pagará a conta e onde estarão os meninos de rua que hoje são as estrelas esquisitas nesta campanha presidencial.

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