São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 1994
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Vale a pena tentar

É no mínimo inusitado –mas acima de tudo auspicioso– que, no momento de suposto auge da disputa eleitoral, o candidato que lidera todas as pesquisas, Fernando Henrique Cardoso, encontre espaço para elogiar seu maior adversário, o PT de Luiz Inácio Lula da Silva.
Depois de dizer, na semana passada, que PSDB e PT são os dois únicos verdadeiros partidos no Brasil, FHC deu ontem um passo adicional, ainda que indireto e sutil. Questionado, em entrevista a jornalistas estrangeiros, sobre se chamaria o PT para participar de seu governo em caso de vitória, o tucano desconversou, mas fez questão de lembrar que exerceu o máximo de influência sobre Itamar Franco para dar "dois ministérios ao PT".
Se foi assim, é inevitável inferir-se que, se eleito, FHC gostaria de repetir a dose e incorporar o PT à sua própria administração.
A partir desse raciocínio, cabem duas perguntas: é uma hipótese viável? É conveniente para o país?
À primeira questão, a sabedoria convencional manda responder que os obstáculos são diversos e consideráveis. É incomum que os adversários mais diretos de uma eleição se unam depois dela e passem a fazer parte do mesmo governo. Ademais, as virulentas críticas feitas pelos petistas à aliança PSDB-PFL certamente não contribuem para facilitar uma eventual integração do PT a esse bloco após as eleições, ombro a ombro com os tão atacados pefelistas.
Mas, em relação à segunda pergunta, sobre a conveniência de o PT fazer parte de um eventual governo FHC, a resposta só pode ser afirmativa. Parece evidente que o país vive mais uma encruzilhada histórica. Pode dar um salto enorme, se se consolidar a estabilização apenas iniciada com o Plano Real, mas pode também ser vítima de mais uma profunda frustração, se os imensos obstáculos à frente impedirem tal consolidação.
É nesses momentos de extrema gravidade –e talvez só neles– que se justifica uma espécie de governo de união nacional, em que estejam representadas as principais correntes de opinião. Em escala bem mais modesta, foi o que aconteceu no momento, institucionalmente grave, do impeachment de Fernando Collor. Para o novo governo, foram representantes do PSDB, do PMDB, do PDT, do PFL e, indiretamente, até do PT (Walter Barelli, indicado para o Trabalho pelo próprio Lula).
Nem a mágoa da eventual derrota nem a euforia da previsível vitória devem fazer Lula e FHC esquecerem que serão, nas urnas de 3 de outubro, depositários das esperanças de milhões de brasileiros. Juntos, teriam mais chances de responder a elas do que separados.

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