São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 1994
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Estamos mal-acostumados

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – De todas as conversas de jornalistas sai a mesma frase: "A eleição está chata". É como se alguém tivesse comprado um bilhete para a tourada e, já sentado na arquibancada, fosse obrigado a assistir a um espetáculo de balé clássico. Mas não é a eleição que está errada –nós é que estamos mal-acostumados.
Nem sempre o que é bom para se compor as manchetes de jornais é bom para o país: jornalismo e rotina não combinam. A crise é uma das principais matérias-primas da imprensa, algo abundante em nosso país.
Nem precisamos ir muito longe. Peguemos os últimos dez anos. Em 1984, presenciamos a gigantesca campanha pelas Diretas-Já, em meio à derrocada psicológica do então presidente João Baptista Figueiredo. Nos quartéis, havia ainda quem tramasse um golpe.
Paulo Maluf vence a convenção do PDS que, rachado, forma a Frente Liberal, base para eleição de Tancredo Neves. O presidente eleito morre, assume José Sarney. Entramos numa Constituinte, uma longa discussão sobre o tamanho do mandato presidencial e uma CPI da Corrupção.
Sai Sarney montado numa inflação de 70% ao mês, entra Fernando Collor, um terremoto eleitoral. Uma CPI provoca o impeachmnent, chamando Itamar Franco Franco ao 3º andar do Palácio do Planalto. No ano seguinte, outra CPI colocaria o Congresso em polvorosa quando se investigou a máfia do Orçamento.
Entre Sarney e Itamar, tivemos inúmeros choques, várias moedas, um batalhão de ministros, dezenas de denúncias de corrupção, onda de recessão, explosões inflacionárias. Houve também surpresas eleitorais como a eleição de Luiza Erundina e, depois, Paulo Maluf à Prefeitura de São Paulo.
Até o ano passado, lembremos, ainda se discutia a possibilidade de Itamar Franco nem sequer acabar seu mandato.
Depois da eleição de Tancredo Neves, imaginávamos ter comprado o ingresso do balé. Mas, em breve, assistiríamos a uma tourada. Sentimos, agora, como a rotina no Brasil não é rotineira.
PS – Antes que eu morda a língua, e como conheço um pouco meu país, ainda não descarto que, no meio do balé, entre um insólito touro no palco perseguindo os dançarinos.

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