São Paulo, quinta-feira, 29 de setembro de 1994
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Oligarquia versus democracia

FÁBIO KONDER COMPARATO

Para se compreender a importância das atuais eleições é preciso analisá-las no contexto do conflito secular entre oligarquia e democracia.
Desde a independência, temos tido duas constituições políticas em vigor: uma oficial, fundada na soberania do povo, e outra real, em que o poder supremo é propriedade de uns poucos.
Durante o Império, as eleições indiretas e o voto censitário atenuaram a contradição entre essas duas constituições. Instaurada a República, porém, a conciliação do princípio majoritário com a realidade da minoria soberana tornou-se problemática. Recorreu-se então, até 1930, ao método mais primitivo: a falsificação, pura e simples, dos votos e das atas.
A revolução daquele ano foi feita, procladamente, para pôr fim à fraude eleitoral. Mas, como nem os próceres revolucionários nem o povo submisso desejavam alterar o sistema tradicional de poder, decidiu-se pelo adiamento sem prazo do processo eleitoral.
Em troca da supressão das eleições, Getúlio Vargas montou um sistema autoritário-populista, em que a proteção do povo contra os poderosos resultaria da ação enérgica e magnânima do governante-pai.
A partir de 1945, assistimos à dissociação diacrônica do sistema getulista. Fomos populistas até 1964 a autoritários daí em diante. Na primeira fase, a oligarquia sustentou líderes capazes de conquistar a adesão das massas urbanas com benefícios sociais, sem mudança nas estruturas do poder.
No início dos anos 60, porém, o populismo tornou-se um jogo perigoso demais para a oligarquia, pois a insatisfação crescente das massas impedia os líderes demagogos a repudiar o patronato político.
O regime basculou para o autoritarismo militar, onde, a par da supressão parcial de eleições, foram aproveitadas algumas criações do Estado Novo, como o tribunal de segurança nacional e a suspensão da garantia judicial das liberdades.
Encerrado o ciclo militar, ainda foi possível à oligarquia ensaiar um arremedo de democratização, com o expediente da designação do novo presidente da República por um colégio eleitoral restrito.
Com isto, chegamos, após quase 30 anos de jejum, às eleições presidenciais de 1989, onde iríamos testar se a Carta Política do ano anterior havia ou não encerrado a nossa longa esquizofrenia constitucional. O que se descobriu, então, foi que o espaço das campanhas eleitorais havia mudado radicalmente.
Nas eleições majoritárias do passado, a propaganda fazia-se, predominantemente, nas ruas e praças públicas. Em 1989, ela se fez sobretudo pelos meios de comunicação de massa, em especial a televisão.
A diferença essencial é que enquanto as ruas e praças são bens públicos, as emissões rádio-televisivas são objeto de apropriação privada. A oligarquia privatista mantinha, assim, a direção da coisa pública, e elegia presidente, em hábil exploração dos sentimentos populares, um "não-político", jovem e bem apessoado, lutador solitário contra a burocracia predatória...
Agora, cinco anos passados, renovamos em outro contexto o mesmo combate. Para se alcançar o desenvolvimento integral do país, é indispensável combinar o crescimento econômico com a justiça social e a democracia participativa.
A oligarquia, a rigor, é capaz de promover o crescimento econômico, mediante a estabilização monetária e o equilíbrio financeiro do Estado. Mas ela jamais poderá, por razões de sobrevivência própria, realizar a igualdade das condições sociais básicas e aceitar que o povo participe, diretamente, das grandes decisões governamentais.
De qualquer maneira, os mentores da política oligárquica, após o fracasso do governo Collor, perceberam que já não poderiam vender a imagem do seu candidato sem apresentar de antemão um benefício concreto para o povo.
Surgiu daí a idéia do Plano Real que, embora incompleto no campo monetário e precaríssimo quanto ao saneamento das finanças estatais, revelou-se desde logo um poderoso fator de êxito eleitoral.
Toda a máquina governamental (com boa dose de fraude) e o sistema de rádio e televisão do país foram prontamente postos a serviço do candidato oligárquico, com os resultados que todos sabem.
Importa agora que todos os democratas, sobretudo os que apóiam Lula, tirem do episódio as lições que se impõem:
1) A estabilidade monetária é fundamental para a defesa dos trabalhadores;
2) Sem moeda estável e finanças públicas equilibradas não há crescimento econômico, e sem crescimento econômico é impossível realizar-se a justiça social;
3) A democratização dos meios de comunicação de massa é condição indispensável à derrota eleitoral da oligarquia e constitui, portanto, meta política prioritária;
4) A função primordial de um partido democrático, hoje, não consiste em liderar as massas, mas em suscitar a participação direta do povo na decisão das grandes questões de interesse público.

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