São Paulo, sexta-feira, 30 de setembro de 1994 |
Texto Anterior |
Índice
A democracia e o leiteiro
JOSÉ SARNEY Jorge Amado foi conciso, mas de grande precisão ao proclamar os motivos que o levavam a apoiar o Fernando Henrique. "Porque fui stalinista sei o que é a esquerda ideológica e o que é a esquerda democrática", disse o grande romancista da Pedra Vermelha.A esquerda democrática aceita o jogo da democracia liberal, não tem patrulha, não faz apelos à violência, nem considera ser verdadeira a luta de classes. A esquerda ideológica é sectária, dogmática e pensa como se pensava na Idade Média: ser o mundo dividido entre Deus e o Diabo. Os infiéis, às galeras, para onde Luís 14 mandava, de gorro roxo, os calvinistas. Há partidos que, embora finjam aceitar a democracia pluripartidária, no fundo, estão nela para contestá-la. Acham sempre que os seus valores não estão realizados, que ela não funciona, que ela é mais formal do que substantiva. O Brasil é hoje a segunda grande democracia do mundo ocidental: 100 milhões de eleitores! Vive num clima de liberdade sem precedentes. Há duas eleições presidenciais, um trabalhador disputa a Presidência, mostrando que o nosso país abre oportunidades para todos, sem discriminação nem segregação. A biografia do sr. Luiz Inácio Lula da Silva é um aval para o sistema político brasileiro. Qual país em que um retirante, torneiro mecânico, sem estudos regulares cumpre um destino de liderança de que desfruta? O problema é que o seu partido, em vez de ter uma leitura de sua vida, como exemplo e como político, faz, justamente, o contrário. Utiliza-a, como prova de ressentimento, como uma bandeira de luta de classes, numa tática que se mostrou errada duas vezes: em 89 e 94. O PT é hoje um partido que faz parte da consolidação do sistema democrático do Brasil, e não uma agremiação de contestação. Ele deve romper esse medo de isolamento que não tem mais razão de ser. O mundo passou a ser um mundo solidário. A idéia de revolta e revolução não seduz mais nem os velhos aposentados da Guarda Vermelha dos tempos da Revolução Cultural de Mao. Esse comportamento de condenar alianças, de reviver e revolver a história é, além de inútil, exercício de larga burrice. A história caminha, hoje, em grande velocidade. Ela derruba muros, preconceitos e dogmas. Quando a gente vê certos momentos da campanha eleitoral, tem noção de nossos avanços e também do quanto paramos no tempo. A eleição na democracia é feita para resolver conflitos. Ninguém faz apelo à violência, mas, sim, ao voto para realizar suas idéias e seus sonhos. É a periodicidade dos mandatos, é a alternância no poder. É o debate das idéias, é a controvérsia. A eleição vem para unir o país, que, pelas escolhas que faz, resolve e harmoniza conflitos. Essa a grande virtude do regime, que é difícil, que tem defeitos, mas, como disse Churchill, não tem outro melhor, até mesmo porque "quando a campainha de sua casa toca, às seis da manhã, você sabe que é o leiteiro, não é a polícia". Texto Anterior: Mais beijos do que tapas Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |