São Paulo, domingo, 1 de janeiro de 1995
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Cinco lições mexicanas

ANTONIO KANDIR

Cheguei ao México em plena crise cambial. Dizer que havia grande irritação contra o governo é "dourar a pílula". Assisti a uma mistura de raiva e decepção que demandaria mais espaço e talento literário para descrever com um mínimo de exatidão. Essa triste experiência reforçou-me algumas convicções antigas e me fez refletir sobre que lições se poderia extrair do episódio. A primeira das lições diz respeito ao erro de origem da experiência mexicana; as demais são relativas ao manejo da crise propriamente dito.
Lição 1: A âncora cambial não compensa. Ancorar o processo de estabilização no câmbio é uma estratégia que pode render frutos a curto e médio prazos, mas que encerra riscos incontroláveis a prazo mais longo. Pior, como procurei ressaltar em artigo nesta coluna ("Estabilização sem Atalhos Enganosos", 11/12), a ancoragem cambial, dadas as distorções que se vão acumulando, sobretudo em economias pouco abertas, impõe, mais à frente, um ajuste fiscal com custos sociais e econômicos muito elevados.
Lição 2: Ajuste cambial não se posterga. O governo do ex-presidente Salinas de Gortari já havia identificado a gravidade do problema cambial do país há algum tempo. Preferiu não fazer ajuste algum até o final de seu mandato. A fragilidade cambial do México agravou-se e o ajuste foi feito em condições quase dramáticas, sem que haja certeza se será capaz de salvar o país de nova e mais profunda crise de liquidez. Dissemina-se, no México e nos EUA, a opinião de que o governo de Salinas foi um governo de mentira.
Lição 3: Minimizar a profundidade da crise é o caminho mais seguro para agravá-la. Não bastasse o adiamento, o ajuste foi feito de modo desastrado. Na tentativa inútil de minimizá-lo, as autoridades econômicas do México resolveram anunciar uma "elevação de 15% da banda superior da variação cambial". A iniciativa detonou uma onda especulativa contra o peso que obrigou o governo a abandonar o sistema de bandas, menos de 24 horas depois. Movida por expectativas exacerbadas quanto à fragilidade cambial do país, a desvalorização da moeda mexicana frente ao dólar alcançou à casa dos 50%. Ficaram patentes o erro de diagnóstico e a debilidade do governo mexicano para fazer face à crise.
Lição 4: Dar explicações estapafúrdias tende a agravar a crise. Dos muitos equívocos cometidos no manejo da crise, não foi dos menores o de atribuir grande importância ao conflito de Chiapas no processo de perda de reservas internacionais. O governo pretendia minimizar a crítica ao modelo econômico atribuindo a crise a um fator externo. Com isso, colheu resultado justamente inverso ao pretendido, na medida que os agentes econômicos fizeram a seguinte leitura da explicação oficial: se a crise cambial decorre de um conflito armado que o governo tem tido grande dificuldade de encerrar, então a crise cambial vai se manter ou se aprofundar.
Lição 5: Induzir ao erro é letal à credibilidade. O sentimento de traição espalhou-se entre mexicanos e investidores norte-americanos. Pudera. Dias antes da crise, na presença de representantes de grupos financeiros dos Estados Unidos, o secretário da Fazenda e Crédito Público afirmou, de modo taxativo, que não haveria mudanças no câmbio. Induzidos a erro pela declaração da autoridade mexicana, os clientes de fundos de investimento com aplicações naquele país contabilizaram perdas superiores a US$ 15 bilhões. Jamais se havia visto em Nova York clima de hostilidade semelhante ao que se respirou nas reuniões entre o ministro mexicano Jaime Serra Puche e representantes do mundo financeiro, nos dias posteriores à crise cambial. Dificilmente o México poderá recuperar a credibilidade junto aos investidores internacionais depois desse episódio, o que certamente prejudicará, e muito, o fluxo regular de recursos externos àquele país.

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