São Paulo, segunda-feira, 2 de janeiro de 1995
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Na TV, frieza substitui comoção collorida

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi "uma passagem de poder tranquila, como há muito não se via". A frase de Alexandre Garcia foi uma reação ligada, mais até do que aos fatos políticos, às imagens de ontem.
Tanto que na sequência, quando Fernando Henrique e Itamar Franco passearam de mãos dadas até o parlatório, o correspondente da Globo acrescentaria, algo incrédulo, "um gesto assim é raríssimo na história da República".
Mais à frente, quando Fernando Henrique, Itamar e José Sarney desceram a rampa, ele ainda diria: "É o modelo da fraternidade de que falou o presidente em seu discurso. Aí estão os três presidentes juntos."
A cerimônia de posse, transmitida em cadeia pela televisão, foi toda ela de uma tranquilidade, de uma fraternidade quase modorrenta, até de uma certa frieza, sobretudo se comparada à tensão, próxima da histeria, sentida cinco anos atrás.
À comoção que envolveu a posse de Fernando Collor, Fernando Henrique confrontou uma serenidade que estava em seu rosto, em seu vestuário, na primeira-dama, nos políticos todos no Congresso, até na multidão nas ruas, muito contida.
Uma serenidade que chegou mesmo a atrapalhar, nos poucos momentos em que Fernando Henrique pretendeu comover, em seu longo discurso. Ao bradar, "eu os convoco para mudar o Brasil!", no final do discurso, só transmitiu constrangimento.
Convocação, aos brados, não é a dele. Fernando Henrique, por mais próximo que esteja de Fernando Collor, nos objetivos econômicos, vai ser sempre o contrário dele, no estilo. É por demais racional.
Quando afirmou, em outro momento do discurso, "este país vai dar certo", foi antes de mais nada uma conclusão pensada, fruto da ciência. O país vai dar certo, "não só por causa dos nossos sonhos", ou por vontade, "mas porque o momento amadureceu e o Brasil tem tudo para dar certo".
Como descreveu o âncora Boris Casoy, à tarde no SBT, ao apresentar uma entrevista exclusiva com o novo presidente, "Fernando Henrique está com os pés fincados na realidade".
Como acrescentou o âncora da Bandeirantes, Francisco Pinheiro, também na cobertura de ontem, "a racionalidade pauta o caminho de Fernando Henrique". Racionalidade, realidade, tranquilidade, a posse foi quase toda ela por aí, anunciando talvez o que vem no governo.
Quase toda, porque não faltou, talvez em reação ao pronunciamento excessivamente material da despedida do Senado, três semanas atrás, uma certa abertura ao "sonho".
A palavra sonho foi citada diversas vezes, ontem. Uma delas, logo no início, para Fernando Henrique lembrar, "pertenço a uma geração que cresceu embalada pelo sonho de um Brasil que fosse democrático, desenvolvido e justo".
Na sequência do discurso, a mesma palavra foi depois limitada, relativizada, circunscrita, segundo as restrições da realidade, de que Fernando Henrique tanto gosta.

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