São Paulo, sexta-feira, 6 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aumentos exclusivos

JANIO DE FREITAS

Os 220% que elevarão os vencimentos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso de R$ 3,5 mil para R$ 11,2 mil comprometem, já de saída, a face moral da austeridade no governo que o ministro José Serra, também beneficiário, define como "pão-duro". Austeridade, é forçoso deduzir, continuadamente nos recursos para saúde pública e educação. "Pão-duro" com quem não é governo, não é parlamentar, não é alto magistrado.
Seja o que for que venham a dizer o presidente e seus guardiães da austeridade e do pão-durismo, a verdade é que o acordo foi urdido, antes da posse, pela sua "equipe de transição", presidências da Câmara e do Senado e representantes do Supremo Tribunal Federal. A "equipe", transitando entre a promessa de austeridade e a esperança do bolso, estimulou os saltos dos vencimentos dos deputados e senadores de R$ 4 mil para R$ 10,13 mil. Estimulou porque os vencimentos dos ministros acompanharão os dos parlamentares. As críticas do ano passado ao custo do Congresso foram esquecidas.
Pelo visto, o Plano Real produz efeitos diferenciados no custo de vida. Depois de aguentar mais perdas, os assalariados estão tendo correções entre 10 e 30%. O ministro e agora presidente do plano tem 220%. O seu vencimento estaria recuperando perdas. Mas que perdas são essas, que não alcançaram também a sua aposentadoria de professor, para que a mesma correção não se estendesse aos seus ex-colegas professores ativos ou aposentados? Para uma só pessoa constatam-se perdas diferentes.
A rigor, presidente da República devia ter salário apenas simbólico. Das meias aos luxos mais mudanos, o Estado –ou melhor, os impostos por nós recolhidos– paga tudo, absolutamente tudo, das mordomias faraônicas em que flutua um casal presidencial. Com várias extensões familiares e até a corte. Vá alguém verificar, mas não se queixe do susto, quanto custou, por exemplo, o almoço que o presidente já empossado ofereceu a 70 amigos. A mesma quantia, provavelmente, resolveria por um mês o problema de um hospital em estado de calamidade.
Se já não fazia sentido no passado, porque jamais chegou à Presidência alguém incapaz de sustentar-se sem trabalhar, morreu com a pensão vitalícia o antigo argumento de que os presidentes precisam fazer alguma reserva, para viver com dignidade ao deixar o cargo. Com R$ 11,2 mil por mês até o fim da vida, ninguém precisa de reserva. Ao fim de 48 meses de mandato com vencimentos nada simbólicos, acumula-se ainda, porém, mais de meio milhão de reais. Isto sem falar, no caso de Fernando Henrique, em sua aposentadoria de professor-titular e no seu outro privilégio, que é o direito à aposentadoria como senador. Não se justificando, dada a aposentadoria vitalícia, que os vencimentos presidenciais sejam mais do que simbólicos, é melhor nem dizer o que caracteriza a transação para o aumento de 220%.
Os ministros ficam atrás, sim, mas não muito. O Estado –ou melhor, os impostos que recolhemos– dão-lhes mansões, alimentação de nobres, carros, empregados, toda a infra-estrutura pessoal e doméstica, aviões à disposição. E ainda fartas verbas de representação. Em país do Primeiro Mundo isso não acontece.
Mas não se desconsole, leitor. Com o pão-durismo da atual austeridade o Brasil vai tomar vergonha.

Texto Anterior: Só Escelsa será privatizada no 1º semestre
Próximo Texto: Pela 2ª vez, governo não tem quórum para aprovar Arida
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.