São Paulo, sexta-feira, 6 de janeiro de 1995
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O efeito tequila e Montezuma

JOSÉ SARNEY

Outrora se falava no efeito Orloff da vodca. Lembro-me que, no meu governo, tudo que acontecia aqui e na Argentina era logo ligado a esse efeito. Agora, a moda é a Tequila, essa aguardente mexicana tão popular naquele país, feita de agave. Acredito que o efeito de que se fala não seja a ressaca, mas "tequila" como sinônimo de México.
Na Espanha, fala-se que o país é governado por dois marqueses, o de Cáceres e o de Riscal, marca de dois vinhos muito consumidos. E a França tem a sua viúva –a Veuve Clicquot, aristocrático champanhe. No México, também, existe uma Viúva Sanchez, a mais popular marca de tequila.
Como o popular no Brasil, de repercussão fora, não é a nossa cachaça, e sim o samba, o dia em que tivermos algum abalo em nossa economia o que vai circular é sem dúvida o "efeito samba" ou talvez "efeito futebol". Jamais, como agora, em relação ao México, efeito 51, marca da caninha.
A verdade é que o Brasil não tem de ter medo do efeito tequila. Muitos têm dito que não temos semelhança com o México porque não temos o volume de capital de risco que eles receberam e sem a vulnerabilidade de cinco anos de déficits na balança comercial. Acredito que temos um argumento muito mais forte.
Escrevi, aqui, nesta coluna, logo depois do episódio das guerrilhas de Chiapas, que aquilo era a ponta de algo muito mais sério. O México vivia, então, o esplendor do melhor e mais bem-sucedido plano econômico da América Latina, trabalho que começou com De La Madrid, que foi um grande presidente, sofreu as agruras do período duro da transição, mas preparou o caminho para que Salinas fizesse um bom governo.
O capital é covarde, dizia Adam Smith. Com um tiro ele corre. Os tiros de Chiapas e o assassinato de Colossio amedrontaram.
O que nos torna fora do efeito Tequila é o fato de que o Brasil não tem nenhuma possibilidade de um Chiapas. O Brasil já atravessou o período de suas acomodações institucionais, o Brasil conseguiu não somente restaurar a democracia, mas construir uma sociedade democrática. A estabilidade mexicana, com seu modelo do PRI, que conseguiu mais de 50 anos de um país fora de convulsões e com grandes avanços sociais, está exaurido. Este modelo foi um tratamento que deu seus resultados na sofrida história do povo mexicano, este povo que tem a carga extraordinária e forte das feridas da conquista, que até hoje nos comove e revolta.
Tenho uma profunda admiração pelo México e seu povo. Sua história é a mais importante e trágica do Descobrimento, desde a vitória de Cortez e o dia em que mandou ferrar com um G todas as mulheres e homens, para marcar o quinto, escravo do rei e dele mesmo.
O México encontra-se na busca saudável de um modelo que procura adaptar-se e marchar com a democracia liberal e moderna. Os líderes mexicanos com quem tenho conversado estão conscientes deste fato. Mais do que dólares, o México está precisando de uma transição sem traumas, sem violência e sangue, que têm caracterizado as grandes revoluções mexicanas, para consolidar a obra extraordinária que ao longo da história o país soube construir.
O povo mexicano deseja parceria dos Estados Unidos, mas não aceita perder sua identidade nacional.
Em vez do efeito tequila, é a causa Montezuma.

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