São Paulo, sábado, 7 de janeiro de 1995
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Demais ou de mais?; Culpa da Hebe

JOSUÉ MACHADO

Demais ou de mais?
O título um tanto irônico da nota de jornal foi o seguinte: "Nada demais". A nota se referia à luta do PT contra o PT por causa do financiamento da campanha petista pela empreiteira Odebrecht. "Nada demais" ou "nada de mais"?
"Demais" significa em demasia, demasiadamente, em excesso, intensamente, muito, muitíssimo; além disso, os restantes, o restante.
"Há safados demais na política."
"Aquele deputado fala bobagens demais."
"Ela é demais!"
"Com exceção de Suplicy, os demais senadores votaram pela anistia deles mesmos."
"Eu quero o meu, disse o tesoureiro da campanha; quanto ao demais, que se danem."
"Não condenamos o homem; demais, a acusação foi inepta."
E "de mais"?
"De mais" significa a mais, anormal, capaz de causar estranheza –opõe-se a de menos.
"Não vi nada de mais naquele julgamento."
"O João Alves recebeu dinheiro de mais na loteria."
"Ou a Fé toda completa, cabal, absoluta, sem um átomo de menos, sem um átomo de mais ... ou nenhuma fé." (Castilho, "O Presbitério da Montanha", pág. 116, citado pelo Aurélio).
É óbvio, portanto, que o redator quis escrever "Nada de mais", para significar nada de anormal, nada capaz de causar estranheza. Como estava repetindo expressão do Lula, que teria dito "não ver nada de mais" na generosa doação da Odebrecht, será bem difícil saber se o candidato petista disse "demais" ou "de mais". Sabedeus.
Nesse caso da pequena e desprezível confusão, o computador não deve ser vituperado, como diria o senador Mauro Benevides, porque essa, apesar da insignificância, é uma das questões enjoadas da língua. Mesmo sabendo que os computadores atuais são loucos para encurtar distâncias e poupar espaço, deve-se considerar que nesse caso, como em algumas decisões da Justiça, as confusões podem ocorrer sem grandes danos para o entendimento do texto e o curso da vida.
Vamos em frente, mas nunca é demais estar atento.
Culpa da Hebe
Em edição anterior ao Natal, "Veja" publicou nas páginas amarelas entrevista com dona Hebe Camargo. Em certo momento, disse o repórter a essa senhora:
"Já existe uma pena de morte informal no país. A polícia mata muitos bandidos, comprovados ou meramente suspeitos, antes de trancafiá-los na cadeia."
Maravilha. Será o efeito das festas, que costumam enternecer corações? Convém repetir a frase sem a oração intercalada para que tudo fique mais claro:
"A polícia mata muitos bandidos, (....), antes de trancafiá-los na cadeia."
Não é mesmo um colosso essa conversa? Há casos em que a polícia foi acusada de providenciar o óbito de bandidos e suspeitos e deixá-los jogados pelos caminhos da vida. E houve casos em que trancafiou –belíssimo verbo– presos antes de despachá-los, às vezes em grande quantidade, como na Casa de Detenção de São Paulo. Essa, no entanto, é a primeira vez que inverte a ordem as coisas.
O Natal e o Ano Bom mexeram mesmo com os corações dos computadores.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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