São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Tapas, beijos e mapas

MARCELO LEITE

Antes de mais nada, uma boa notícia: a partir de amanhã, ficará mais fácil falar com o ombudsman. Para contatos telefônicos entre 14h e 18h, passa a valer o número 0800-159000 (ligações gratuitas, inclusive interurbanas).
Se quiser mandar sua queixa (ou elogio) por fax, o leitor contará com um número exclusivo para o ombudsman: (011) 224-3895.
Abuse e use.

Começou bem, com muita transparência, o governo FHC. Em seu segundo dia, ao tomar posse como ministro das Comunicações, o "muy" amigo Sérgio Motta resolveu dizer o que pensa sobre Antônio Carlos Magalhães. A Folha manchetou na terça-feira, com todas as letras e alguma licença: "Ministro de FHC ataca ACM".
Foi aquele fuzuê. Bombeiros para todo lado, tentando apagar a ira dos imperadores da Bahia (ACM) e do Brasil (o magnata da TV e das telecomunicações Roberto Marinho). Motta pôs de novo a culpa nas intrigas da Folha, mas acatou a ordem do sócio e amigo presidente e telefonou para ACM, dando o dito pelo não-dito.
Não vou entrar fundo no mérito político dessa trapalhada inaugural. Observo apenas que tenho por certa a concordância do intelectual Fernando Henrique com a afirmação de Motta de que a pasta serviu como instrumento de ação política (leia-se: concessões de rádio e TV) durante os anos 80.
Mais ainda, se o leitor me permite dar novo palpite: o arguto sociólogo não há de achar moderno que umas poucas famílias prossigam tutelando a opinião pública de seus Estados, apoiadas em constelações de rádios, TVs e jornais regionais em que a estrela maior é quase sempre uma associada da Rede Globo.
Disso até os mármores do Planalto estão cansados de saber, mas não é de bom tom falar.

O que me interessa discutir é o seguinte: A Folha avançou o sinal ou não? Cometeu algum erro jornalístico quando identificou ACM como alvo da observação crítica de Sérgio Motta?
Na minha avaliação, não –ainda que o jornal pudesse ter usado de muito maior precisão em seu noticiário.
Motta falou em público que na década de 80 o setor passou a ser apenas instrumento de ação política. Ora, ACM foi ministro das Comunicações de 1985 a 1990 (governo José Sarney, não por acaso um político ligado à filiada da Globo no Maranhão, assim como ACM é à da Bahia). Obviamente, a crítica o incluía.
Em uma manchete de apenas 25 toques, seria impossível registrar que o ataque tinha sido feito indiretamente (metade dos caracteres disponíveis). Só que Motta não pronunciou o nome de ACM. Para esse tipo de contextualização, a Folha conta com o recurso da linha-fina, aquele subtítulo em letras menores.
Na terça-feira, contudo, a linha-fina da manchete punha mais lenha na fogueira: Sérgio Motta (Comunicações) diz que senador eleito usou a pasta como instrumento de ação política. Aqui está o erro, ou melhor, os erros:
1. Não explicar que a crítica foi indireta;
2. Dizer que Motta disse o que não disse ("ACM" não foi sujeito de frase alguma de Motta).
Tais erros não invalidam, no meu entender, a manchete. A Folha fez bem em destacar o fato, de longe o mais significativo daquela morna segunda-feira. Compare a manchete da Folha com as de seus concorrentes, quase todas calcadas em meras declarações de intenções e promessas:
"O Estado de S.Paulo" - "Serra cortará gastos em R$ 3 bilhões";
"O Globo "- "Governo começa com medidas fortes";
"Jornal do Brasil" - "Governo ataca 'descalabro' nos gastos";
"Gazeta Mercantil" - "Prioridades: ajuste fiscal e menos gastos".

Contra meu costume, incluí na comparação acima o diário financeiro paulista "Gazeta Mercantil". Anote aí: é um excelente jornal para quem procura, antes de mais nada, informação de qualidade.
Na terça-feira, diferentemente de outros concorrentes da Folha, também trazia o "affaire" Motta em sua capa, sob o excessivamente discreto título "Controle social da comunicação". Com sobriedade e precisão, o texto de Eliane Cantanhêde descrevia a crítica tortuosa do ministro neófito (cito os dois primeiros parágrafos):
"O ministro das Comunicações, Sérgio Motta, condenou no seu discurso de posse a 'instrumentalização política' do setor na década de 80, defendeu o controle social dos meios de comunicação, insistiu na flexibilização dos monopólios estatais e prometeu investir contra o corporativismo da Telebrás.
"Foram recados duros e para todos os lados, mas Sérgio Motta teve um cuidado depois: em entrevista, disse que não eram para seus antecessores, em geral, nem para o pefelista Antônio Carlos Magalhães, em particular. Mas ACM foi ministro das Comunicações justamente no governo Sarney, na década de 80."
Para o leitor, o ideal seria encontrar um jornal que soubesse combinar a petulância da Folha com a segurança da Gazeta.

Estava viajando quando a Folha publicou a famosa foto de Fernando e Rosane Collor aos beijos, na Primeira Página, com o título "Romance na Neve" (27 de dezembro). Peguei, porém, o rescaldo da indignação dos leitores.
Foram três telefonemas, todos depois do dia 2. Durante minha ausência, nada menos do que 17 pessoas tinham ligado ou escrito para protestar contra a imagem do idílio em Aspen (Colorado, EUA).
A maioria dos leitores acusa o jornal de estar projetando o recém-absolvido ex-presidente. Aos três que atendi, disse acreditar que eles estavam transferindo indevidamente ao jornal sua irritação –que compartilho– com o incorrigível exibicionista da Dinda.
A Folha nada mais fez do que ir atrás de um homem que voltou a ser notícia, gostem os brasileiros ou não. Explicou de forma transparente que Collor não estava dando entrevistas, mas deliberadamente posou para a foto (mais ridícula do que romântica). Por que deixar de publicá-la?
São os leitores que querem se esquecer desse personagem nefasto da vida nacional. O jornal cumpre seu papel ao lembrá-los de que ele continua vivo, muito, e que se depender de tudo que ainda permanece de atrasado no país –inclusive a pretensão do presidente escorraçado e a de alguns êmulos tucanos– nada impede que o país volte a provar desse purgante amargo.

Outra iniciativa da Folha que embraveceu vários leitores foi a publicação de uma errata de seu Atlas em fascículos, envolvendo nada menos do que 24 de suas 184 páginas (13%). Algumas delas apresentam mais de um erro.
Na pág. 32, ocorreu um desastre: inúmeras cidades da Itália, França, Suíça, Alemanha e Holanda apresentavam problemas de localização no mapa. Em lugar de refazer a página (o que provavelmente implicaria reimprimir outras três, pelo menos, todas coloridas), a Folha optou por indicar o erro em um mapa branco e preto oito vezes menor, na errata do fim do volume.
Os leitores protestaram, com razão. Mas, para além desse mapa, já não estou com eles quando se indignam com a quantidade de retificações. Muitas pessoas não percebem, mas em toda publicação desse tipo ocorrem erros. Quando detectados depois da impressão, só resta o recurso da errata.
E não se pense que é tudo descuido da Folha. Algumas das falhas mais graves –como um erro cartográfico na nascente do Nilo, uma definição incorreta de íon e a população de Benin– constam do próprio original britânico e não tinham sido detectadas em meia dúzia de edições.
Graças aos leitores brasileiros, serão agora corrigidas.

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