São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Clareza de linguagem é ideal da Justiça

WALTER CENEVIVA

O discurso de posse do novo presidente da República foi entendido por todos os brasileiros que o ouviram ou leram, porque claro, com palavras apropriadas e corretas. Fico a me perguntar se o povo seria brindado pela mesma clareza se o discurso viesse de um jurista, pois os juristas têm um certo gosto pelo falar complicado. Pergunto-me e duvido da resposta positiva.
No tempo do rei Eduardo 8º, da Inglaterra, há seiscentos anos, uma lei nova determinou que se usasse o idioma inglês nos tribunais, pois havia um fator de perturbação social na linguagem que lá se utilizava: a gente do povo não conseguia compreender se o que os juízes e advogados diziam era contra ou a favor as partes.
Hoje, seis séculos depois, a queixa continua forte, conforme acentuou David Mellinkoff, no prefácio de seu livro "Legal Writing: Sense & Nonsense" (West Publishing Co., 242 páginas). A queixa pode ser transposta para o português, o que torna atualizada a clareza do discurso presidencial.
A tendência de complicar a linguagem, sob a desculpa da precisão técnica, subsiste no mundo jurídico nacional, o que tornou mais intensa a curiosidade que o livro me despertou, ante a coincidência da maior parte dos conceitos sobre qualidade do texto e prestação da justiça. Posso adaptar para nosso idioma o conceito principal: o que você escrever ou disser em bom português, de um modo geral é compatível com a exigência mais severa da técnica jurídica.
Fernando Henrique aplicou lições que parecem lidas no livro de Mellinkoff. Lembro algumas. Não perca seu tempo procurando expressões gongóricas e barrocas. Não use estrangeirismos. Não confunda jargão jurídico com precisão terminológica. Lições particularmente úteis para os advogados, uma das quais de pertinência constante: evite termos latinos, salvo se for perfeito seu domínio do latim (o que não acontece com a maioria dos advogados, nem aqui nem nos Estados Unidos). Não é demais recordar que o português é o idioma oficial do Brasil, nos termos da Constituição de 88.
Essas anotações são válidas para outros ramos da profissão jurídica. Os falencistas têm seu linguajar. Os tributaristas trazem contribuição do jargão fiscal e do "economês". Os especialistas em sociedades são viciados na terminologia inglesa. Mellinkoff oferece sete regras essenciais, úteis para todos na produção do texto jurídico. Uma delas vale sempre: escreva pouco. Outra é obvia: a linguagem jurídica tem a mesma sintaxe da linguagem geral. A ordem direta, com a composição sujeito-predicado-complemento é mais fácil de compreender.
Muitas vezes é impossível superar a dicotomia entre a clareza simples, de um lado e o rigor técnico, de outro. Todavia, devemos estar sempre atentos, evitando excessos de palavras. A tarefa da clareza é fundamental para os juízes. Eles têm o dever de expedir sentenças claras, porque em cada sentença se concretiza a vontade da lei e essa vontade deve ser executada nos estritos termos em que concretizada.
Advogados e promotores também são submetidos ao mesmo dever, mas para a obtenção do resultado que convenha a seu exercício profissional, na missão de convencerem o juiz e, com frequência, a parte adversa.
Mellinkoff tem razão: as consequências e as possibilidades do melhor tratamento da linguagem são extraordinárias. Vale a pena pensar nelas. Sempre.

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