São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Direito de apelar em liberdade

LUIZ FLÁVIO GOMES

O artigo 594 do CPP (Código de Processo Penal), que condiciona o direito de apelar em liberdade à prisão (salvo se se trata de primário com bons antecedentes), foi revogado? A jurisprudência (ainda) majoritária entende que não mas, para salvar-lhe a constitucionalidade (frente ao princípio da presunção de inocência), está se consolidando hoje uma forte tendência que só concebe tal prisão como medida de natureza "cautelar", isto é, só se justifica (independentemente da primariedade ou bons antecedentes) quando devidamente "fundamentada" pelo juiz, que deve demonstrar de modo patente e inequívoco os motivos fáticos e jurídicos excepcionais reveladores da sua necessidade (vide Superior Tribunal de Justiça, 6ª Turma, Habeas Corpus 2.295-0-SP, relator Min. Adhemar Maciel, julgado de 11.04.94, Diário de Justiça da União de 27.06.94, página 17.003).
A prisão de qualquer pessoa antes do trânsito em julgado final, por se tratar de medida coercitiva extremamente grave, em virtude de exigência constitucional (art. 5º, inc. LXI), requer fundamentação "específica" na decisão judicial: não basta só invocar a reincidência ou os maus antecedentes, senão demonstrar os requisitos de todas as prisões cautelares (Código de Processo Penal, artigo 312).
Em recente livro que publicamos ("Direito de Apelar em Liberdade", Editora Revista dos Tribunais, 1994), no entanto, estamos sustentando a tese de que o artigo 594 foi revogado: seja porque não recepcionado pela Constituição de 1988, que garante o contraditório, a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes (Artigo 5º, inciso LV) e principalmente o duplo grau de jurisdição (devido processo legal, inc. LIV), seja porque está em vigor no Brasil (desde 1992), com força de lei ordinária e às vezes constitucional, a (ainda desconhecida) Convenção Americana sobre Direitos Humanos que, em seus arts. 8º, n.2, "h" e 25, garante, no âmbito criminal, o duplo grau de jurisdição a todos os condenados, independentemente de eventual prisão decretada por razões cautelares.
Assim, com ou sem a prisão, que pode e deve ser decretada quando se trata de condenado que representa sério risco para a convivência social, o recurso interposto deve ser recebido, processado e julgado (desde que preencha seus requisitos processuais), até porque o duplo grau de jurisdição é uma das garantias "mínimas" asseguradas pelo referido estatuto internacional. Em conclusão: se o artigo 594 do Código de Processo Penal tivesse sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, agora estaria revogado pela Convenção, porque "lex posteriori derogat priori" (lei posterior revoga a anterior).

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