São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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A locação social em questão

MARINA HECK

Criticar as políticas de intervenção do Estado no mercado de locação é muito fácil, pois todos nós sabemos que as legislações protecionistas se revelaram ineficazes e paralisaram a oferta, gerando uma crise que afastou os investidores e causou uma nefasta retração da oferta.
A proposta de locação social está longe de poder ser caracterizada como uma política intervencionista no mercado. Trata-se de uma alternativa que deve reativar o mercado de locação em geral e atender uma demanda real. Ofertando uma opção ao inquilino, a locação social deverá estabelecer uma concorrência nesse mercado. Portanto é compreensível que setores que sempre detiveram o monopólio da locação contra-ataquem com argumentos inconsistentes.
Primeiramente, dizer que toda locação é social porque atende as classes média e baixa é um jogo de palavras no mínimo irônico. É ignorar o mercado informal de locação que atende bem mais inquilinos do que todo o mercado legal.
É necessário subsidiar a produção de imóveis. No entanto, o modelo atual de habitação popular subsidiada obriga a sociedade a dar de presente a casa própria, o que além de ser socialmente injusto, não os beneficia, pois permite que, ao se tornarem proprietários, possam vender o imóvel e voltar para a favela ou cortiço. Os moradores que não vendem suas casas raramente conseguem fazer a manutenção dos imóveis, que acabam se deteriorando, transformando o conjunto habitacional em uma "favela de alvenaria".
Mesmo assim, esses imóveis acabam por se valorizar e a sua comercialização se torna inevitável. Nós entendemos que a sociedade tem obrigação de garantir uma moradia decente à população. Isto não significa que precise lhe dar a propriedade de um imóvel. É evidente que a questão do subsídio também existe na locação social, só que este é alocado à moradia e seu uso enquanto residência.
A alegação de que não há dinheiro no Tesouro Nacional nem no FGTS, que recolhe 8% da massa salarial por ano com a finalidade específica de financiar programas habitacionais, significa acreditar que o país se encontra totalmente falido, o que não é verdade pois os adversários da locação social não são contra os programas que presenteiam a casa própria.
A locação social existe em todos os países desenvolvidos e foi a solução adotada para resolver problemas habitacionais de emergência em vários países. No Brasil, já vem sendo estudada há algum tempo e tem encontrado sistematicamente barreiras, não só por parte de alguns políticos que não ousam enfrentar os seus "clientes" de casa própria, e de alguns técnicos que não sabem como enfrentar uma solução nova que os obriga a reciclar seus conhecimentos, como principalmente dos setores que se beneficiam com as vantagens da política da casa própria, pois constroem com dinheiro público, retiram seus lucros e não enfrentam problemas de inadimplência, pois transferem automaticamente a dívida do comprador para o governo.
Finalmente, cabe aqui perguntar: se os investidores em imóveis para locação reivindicam incentivos tributários para poderem atender a demanda de inquilinos de baixa renda, porque tanta aversão ao programa de locação social? Ou não entenderam o que é locação social ou estão defendendo algum interesse que certamente não é social.

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