São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Ciência fin-de-siècle é aprendiz

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ciência moderna está cada vez mais se parecendo com uma ópera-balé, ou um fute-vôlei. Não há mais distinções precisas entre as disciplinas ou mesmo entre as técnicas e os resultados, meios e fins.
Não é só a biologia que de repente ganhou o adjetivo "molecular" para poder descrever as técnicas que permitem reduzir os fenômenos biológicos a complexas reações bioquímicas, padrões anatômicos e mesmo de comportamento explicáveis por alterações no ácido –o DNA– que constitui o material genético.
Hoje já é possível falar em uma "paleontologia" molecular –o estudo das espécies fósseis através de restos de seu material genético, ou através de um determinado tipo de DNA (ácido desoxirribonucléico) que se transmite sem grandes alterações entre as gerações.
Ao mesmo tempo, o avanço espetacular da ciência na última década, e a paralela divulgação pelos meios de comunicação, tem passado a idéia falsa de que falta pouco para ser descoberto.
Poucos anos atrás os professores de física ensinavam nos ginásios que era impossível visualizar um átomo, do mesmo como algumas décadas antes se achava que para descrever esse sistema eram suficientes três partículas –prótons de carga positiva, elétrons de carga negativa e os neutros nêutrons.
Com a invenção dos microscópios de varredura por tunelamento e de força atômica os cientistas puderam fazer imagens dos átomos. E um dos problemas da física hoje é o milagre da multiplicação de partículas.
"Essa visão de um século completo em si mesmo é muitas vezes ecoada não apropriadamente dentro da própria comunidade científica. Excitação com a importância de novos desenvolvimentos muitas vezes é uma tentação para até sóbrios praticantes da ciência sugerirem que este ou aquele campo de investigação está mais ou menos completo", foi um dos diagnósticos feitos pela revista científica britânica "Nature" em uma extensa seção sobre o futuro da ciência na edição comemorativa do seu 125º aniversário.
Resumindo: falta muita coisa a ser descoberta, mesmo na véspera do século 21.
Uma das áreas em que é fácil perceber que os avanços não bastaram para responder perguntas básicas é o estudo do cérebro. Por exemplo, não se sabe dizer o que seja a memória, como ela é armazenada ou, usando um termo da informática, "acessada".
Isso se reflete na área médica. A medicina sabe diagnosticar inúmeras doenças neurológicas, mas está longe de curar a maioria delas.
Também faltam anos-luz de pesquisa para criar um entendimento de como o cérebro se forma durante o desenvolvimento de um organismo.
Nesse ponto, o cérebro não é o único órgão cuja origem é misteriosa.
A revista americana "Science" fez uma enquete recente sobre as principais questões a serem respondidas com 66 cientistas da área da biologia do desenvolvimento –a disciplina que estuda como um óvulo fertilizado por um espermatozóide se transforma em um organismo.
A principal questão a ser respondida é básica: quais são os mecanismos moleculares que constituem a "morfogênese", isto é, a formação dos órgãos e tecidos especializados do corpo.
Essa capacidade de cortar e recortar as unidades básicas do material genético, os genes, permite reduzir os fenônenos biológicos à sua essência mais íntima.
As promessas da engenharia genética são bem conhecidas. Teoricamente, ao se revelar todo o genoma (conjunto do material genético humano) será possível tentar consertar seus "defeitos", como as doenças hereditárias.
Ainda não está claro se tudo está realmente escrito nos genes. O próprio passado humano está em parte registrado neles. Outro desafio importante será saber se é possível fazer a reconstrução da evolução humana através do genoma humano, com uma pequena ajuda de genomas de parentes próximos, como chimpanzés e gorilas.

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