São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Política comandou crise do peso mexicano

JORGE CASTAÑEDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando o presidente Mao dizia que era preciso colocar a política no comando, ele falava em sentido duplo. Sua afirmação era, em primeiro lugar, de ordem normativa: era assim que os comunistas chineses deveriam agir. Mas tratava-se, em segundo lugar, de uma tese analítica: era assim na realidade, onde quem manda é a política.
Se a economia se vinga, a política ordena. Esta é uma primeira lição que convém tirar da nova maxidesvalorização da moeda mexicana que se abateu sobre o país e da consequente crise política e econômica que o abalou.
A política mandou em 1994 de três maneiras: primeiro, ao impor sobre a campanha eleitoral um véu de silêncio efetivo; segundo, ao ser a verdadeira explicação de por que a desvalorização não foi feita antes e, terceiro, ao levar ao governo uma equipe que mostra resistência em reconhecer que governar costuma ser optar. Primeiro, a campanha.
O caráter intempestivo da desvalorização e sua magnitude sem dúvida causaram tanta surpresa à opinião pública mexicana quanto aos investidores estrangeiros. Uma das razões desta nova surpresa consiste, sem dúvida, num fato atribuível em parte a essa mesma opinião pública e em parte aos candidatos que concorreram à Presidência da República durante os primeiros oito meses do ano.
Com a concentração de todo o esforço e a atenção sobre o procedimento eleitoral, não se tratou dos temas nacionais fundamentais. Excetuando-se algumas acusações (justificadas) lançadas por Cuauhtémoc Cárdenas ao governo, no sentido de que o peso já se encontrava supervalorizado, não houve discussão alguma entre os candidatos sobre o tipo de câmbio. Seus partidos, a imprensa e os comentaristas tampouco insistiram muito sobre o tema, embora ele constituísse o problema econômico central que inúmeros analistas estrangeiros haviam discernido na economia mexicana. Nem a iminência, nem as dimensões ou os possíveis efeitos de uma desvalorização maior foram expostos diante do eleitorado.
É preciso dizer que esse silêncio também impediu uma consciência plena por parte dos mexicanos dos chamados trade-offs: desvalorizar ou persistir na estagnação; desvalorizar a tempo ou ficar sem reservas; desvalorizar pouco e logo, ou tarde e muito. Por isso, quando foi tomada uma medida necessária, inevitável e ao mesmo tempo desejável, ela foi recebida com desconcerto generalizado. Uma grande discussão nacional sobre a paridade não teria evitado uma desvalorização –talvez a tivesse até mesmo apressado. Mas teria contido o descontentamento e a sensação de engodo.
Em segundo lugar é preciso sublinhar o caráter político da razões da atual confusão. Vejo três explicações políticas para a crise que o país atravessa. A primeira, que talvez seja menos importante do que as duas outras, é de índole externa. Depois das dificuldades e dos compromissos assumidos pelos presidentes Salinas e Clinton diante do Congresso norte-americano para conseguir a aprovação do Nafta (o acordo de comércio entre EUA, México e Canadá), a hipótese de uma desvalorização nos meses seguintes estava simplesmente descartada.
Uma medida dessa natureza teria confirmado as piores suspeitas e as mais mal-intencionadas insinuações dos adversários do tratado: o México faria a desvalorização pouco depois da assinatura do tratado. Aqueles de nós que procuramos convencer os congressistas norte-americanos de que haveria, sim, uma desvalorização, mas não para roubar empregos dos EUA e sim porque um ajuste era imperativo ou inadiável, não fomos ouvidos. Salinas tinha as mãos amarradas, pelo menos até meados do ano: desvalorizar seria trair os compromissos assumidos.
Segundo fator político: a reconquista das classes médias mexicanas pelo PRI e o sistema depois de 1988 se deveu em grande medida à estabilização de preços e câmbios. A dinamização comercial e a apreciação real do peso colocaram produtos importados a preços acessíveis à disposição de milhões de consumidores mexicanos. Graças em parte a isso o PRI, sem mais fraudes que em 1988, recuperou –entre outras praças fortes da oposição– o Distrito Federal e o Estado do México, ou seja um quarto do país. Desvalorizar seria voltar a perder esses segmentos cruciais do eleitorado. Antes das eleições de agosto de 1994, era simplesmente inconcebível. Continuava-se fechando a janela da oportunidade para evitar um desmoronamento interior completo.
Terceiro e último elemento político da explicação: a dinâmica presidencial mexicana e a ansiedade de cada mandatário do país em não desvalorizar. Presidente que desvaloriza é presidente desvalorizado, disse López Portillo em 1982, e ele tinha razão. Carlos Salinas jamais iria desvalorizar a moeda, enquanto pudesse evitá-lo: disso dependia seu papel na história, sua eleição à direção da Organização Mundial de Comércio (OMC) e sua possibilidade de caminhar pelas ruas mexicanas sem ser alvo de insultos.
Quanto a Luis Echeverría e José López Portillo, ou não tiveram dinheiro ou tempo suficiente ou se sacrificaram pelo bem do sistema: cada um que julgue como achar melhor. Miguel de la Madrid desvalorizou tantas vezes que no final, uma desvalorização a mais já não fazia tanta diferença; Carlos Salinas pôde transferir esse problema –e muitos outros– a seu sucessor.
Finalmente, a política deixou suas marcas, ao abrir espaço para uma equipe governamental que, até muito poucos dias atrás, estava convencida de que, como já disse Albert O. Hirschmann, all things go together (todas as coisas caminham juntas). Podia-se crescer, controlar a inflação, financiar o déficit da conta corrente e abater a inflação, tudo ao mesmo tempo: nada se contrapunha a nada. Por isso, era desnecessário escolher: não havia razão alguma para optar entre objetivos incompatíveis entre si, para priorizar alguns e sacrificar outros. Se a isso se soma uma falta perceptível de experiência e uma renúncia perceptível a dar ouvidos a vozes destoantes, o resultado pode ser catastrófico. E o foi, menos de um mês depois da posse e do aparecimento dos primeiros sinais inquietantes. Não serão os últimos.
Ernesto Zedillo teve a honestidade de reconhecer um erro que muitos mexicanos e estrangeiros já haviam observado: um déficit de conta corrente crônico de 6% do PIB é insustentável. Infelizmente, uma confissão não faz um arrependido: é preciso examinar por que surgiu esse déficit e quão contingente é em relação ao modelo econômico em seu conjunto.
Um sistema político aberto não pode eliminar o déficit, nem financiá-lo: desde 1981 no México ninguém pôde conjugar crescimento e contas externas estáveis. Mas esse sistema pode permitir que a política atue a favor do país e não contra ele: que somando sirva ao país, em lugar de prejudicá-lo. A solução deste problema econômico é política, embora soe pré-moderno dizê-lo.

Tradução de Clara Allain

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