São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Entulho democrático

O comum na história de muitas nações é o governo, em momentos de crise econômica e política, submeter a sociedade ao estado de sítio. No Brasil, em São Paulo especialmente, ocorre hoje o contrário: é o próprio governo estadual que se encontra sitiado, vítima de incúria e prodigalidades irresponsáveis.
Há quem aponte na intervenção do Banespa um benefício para o governador Mário Covas. Seria, ainda segundo esse raciocínio politicamente ingênuo, uma forma de o recém-empossado transferir ao antecessor ou a terceiros (no caso, o Banco Central), a responsabilidade por medidas amargas.
A ingenuidade dessa hipótese desmorona diante dos fatos. O parcelamento do salário dos servidores, para ficar na atitude mais amarga até agora, é exemplo evidente de quão grave é a situação das finanças estaduais. Mais ainda, o próprio governador Covas tem apoiado as demissões em curso de servidores contratados através do Baneser. O fim do Baneser aliás era promessa eleitoral de Covas.
As milhares de demissões, aliás, exigirão enorme esforço de reestruturação administrativa no interior do governo estadual. Afinal, em que pese a ilegitimidade das contratações pelo Baneser, o fato é que esses milhares de um modo ou de outro amparavam em muitos casos a própria máquina pública. A Secretaria da Cultura, por exemplo, praticamente deve sua existência ao uso dessa forma imprópria de contratação. Há inúmeros outros exemplos: de guardas escolares a assessorias de alto nível nas várias secretarias, além da ignominiosa assessoria à presidência do Banespa.
É difícil crer que um governador se lance à virtual paralisação da máquina administrativa porque faz um cálculo "esperto". A rigor, corre até mesmo o risco de perder o Banespa. Pérsio Arida, por exemplo, não vê "razões doutrinárias" para a existência de bancos estaduais.
É ademais crucial que o processo de reengenharia do governo estadual ocorra de modo transparente e sem margem para a repetição de tantos erros acumulados. Nesse sentido, cumpre ainda apurar responsabilidades e, quando for o caso, punir. Afinal, é também verdade que pelo menos parte dos desequilíbrios são decorrência de uma sucessão de gestões irresponsáveis, perdulárias senão suspeitas. E uma das razões da impunidade cumulativa foi sempre, sem dúvida, a leniência diante do compadrio, da troca de favores, das transições entre mandatários bastante dispostos a jogar sob o tapete o mal já feito.
Para sair do estado de sítio em que se meteu o próprio Estado, é crucial ir fundo e longe na apuração de responsabilidades. E a partir de agora, quando afinal se decidir entre formas alternativas de saneamento e reestruturação, a exigência maior é de transparência e enxugamento da máquina estatal.
O Estado de São Paulo conseguiu afinal inventar um "entulho democrático". Que se livre dele.

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