São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Saída de emergência

A cada nova onda de desvalorização cambial no México a ansiedade se propaga por toda a América Latina, em ondas de nervosismo nas bolsas de valores e movimentos de fuga de capitais. No Brasil, estima-se já em US$ 1,3 bilhão a perda de reservas internacionais em dezembro, frente a novembro. Ainda em dezembro, pelo segundo mês consecutivo, a balança comercial brasileira foi deficitária. Aumenta o temor de que a situação brasileira, a exemplo da mexicana ou da argentina, também piore.
Nesses momentos de apreensão e perda patrimonial, torna-se cada vez mais difícil imprimir racionalidade às análises e decisões econômicas. A ordem é recuar, bater em retirada. O que por sua vez aumenta a desordem, num círculo vicioso que parece não ter limite visível.
No caso brasileiro, entretanto, é possível hoje identificar com alguma precisão a natureza dos movimentos cambiais. De fato, tem ocorrido saída de capitais. Em parte pode-se tentar explicar isso como decorrência da crise mexicana. Alguns investidores afetados por perdas no México procurariam, por exemplo, compensar o prejuízo embolsando o lucro obtido no Brasil em 1994. Venderiam papéis brasileiros e, assim, deprimiriam um mercado que não teria razões fundamentais para cair se se considerassem apenas as condições locais.
Entretanto, e mesmo se tratando ainda de uma hipótese, saídas de capitais do Brasil por conta da crise mexicana seriam no máximo uma explicação parcial dos fluxos financeiros recentes no Brasil. A rigor, as dificuldades talvez estejam mais à frente, na dificuldade crescente de rolar papéis brasileiros emitidos nos mercados internacionais e mesmo na expectativa de novas entradas para investimentos.
A realidade é que desde outubro de 1994 verifica-se no Brasil uma frustração de expectativas de entrada de capitais. Muitos esperavam uma avalanche, comemorativa talvez da vitória de FHC no primeiro turno. Em vez disso, já em outubro as bolsas começaram a se deprimir diante da ausência do imaginado "boom" de investidores externos.
Tal movimento confirmou-se em novembro, agravado pela imposição de tributos aos capitais entrantes. As restrições às operações de antecipação de contratos de câmbio também afetaram os fluxos cambiais, reduzindo drasticamente a oferta de dólares provenientes de exportação e contribuindo, assim, para um estancamento da acumulação de reservas. Finalmente, já em dezembro acentuou-se o movimento de remessa de lucros e royalties, típico de final de ano e particularmente oportuno frente à taxa de câmbio vigente. Pode-se trocar os reais por muito mais dólares que o esperado. Ou seja, o próprio câmbio desestimula a entrada e estimula a saída de recursos do Brasil.
Há portanto vários e bons motivos para que as reservas brasileiras parem de crescer ou até diminuam nos próximos meses. Aliás, pode ser bem mais saudável ter menos reservas, mas também menos voláteis e especulativas, do que embarcar na ilusão mexicana de abundância. A frustração pode ser maior, num momento em que a retração abrupta das reservas eventualmente coloque a nu fragilidades econômicas antes camufladas.
Ao contrário, se os fundamentos mostrarem-se sólidos, os capitais retornarão. Se a estabilidade se consolidar, será possível reverter ao menos em parte a supervalorização cambial, propiciando um fluxo de comércio com superávits mínimos e menores necessidades de financiamento externo. Com estabilidade e crescimento sustentado, será possível atrair investimento estrangeiro direto, de longo prazo.
Se o cenário otimista confirmar-se, portanto, o movimento atual de perda de reservas e retração dos investidores terá sido apenas uma saída de emergência.

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