São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Senadores inimigos da pátria

ROBERTO ROMANO

O Brasil é uma Federação cheia de anomalias. A nossa integridade territorial é milagre. Entre as causas desta fraqueza, uma das mais piores é o funcionamento do Senado. No Legislativo, cabe aos senadores preservar os nossos vínculos eminentes.
Estados reunidos, não apenas pela força de um poder centrípeto, devem ter voz na República em condições de igualdade absoluta. Considerando-se a força da representação parlamentar, as suas contradições, o número desigual de habitantes e de eleitores, tornou-se indispensável instituir uma instância decisória e política comum. Nela, as diversidades seriam reduzidas ao menor grau, afirmando-se a coesão de todos os organismos congregados.
O Senado possui o mister de garantir, na República, a união maior. Não é possível aplaudir quem exige o fechamento definitivo da Câmara Alta, porque seu caráter seria arcaico. Os representantes, nela, não são meros intérpretes das forças sociais e da conjuntura, mas guardam o pluralismo na unidade nacional.
Do século 18 até hoje, o maior problema político dos Estados está no plano federativo. Pensadores como Leibniz, I. Kant, Saint-Pierre, e outros, tentaram aclarar a questão. A resposta para os problemas internos, num conjunto tido como "Estado", reflete-se no ideário sobre a ordem internacional. As doutrinas federativas sempre tiveram como adversárias as noções de "nacionalismo" e de "império".
Por não ter resolvido os desafios das federações, no século 19 e 20, a Europa sofre os males da guerra e dos ódios regionais sob a capa da religião, da política, da cultura. Se o ideário federativo tivesse vencido, certamente não existiria o nazi-fascismo ou o estalinismo. Estes, ao caírem, mostraram que apenas disfarçaram o mando de um grupo populacional ou econômico sobre outros, adiando conflitos que hoje explodem, prometendo pesadelos nunca suspeitados.
No Brasil, a Federação foi conquistada pelas armas e através da habilidade diplomática. A união territorial brotou de muita pólvora e de mortes em demasia. Com a República positivista, o Estado central abafou em definitivo, as diversidades regionais, impondo normas rígidas que, se lhe oferece poderes inauditos, ao mesmo tempo lhe impede atender aos reclamos dos municípios e dos Estados.
Não é possível uma democracia federativa sem o fortalecimento das unidades políticas menores. A voz do Senado, portanto, é decisiva, se quisermos manter e aprimorar uma Federação, se queremos evitar o caminho que hoje desgraça a Rússia, a ex-Iugoslávia, e tantas outras federações que traíram seu nome e promessas.
Pensando na responsabilidade do Senado, examinemos muitos dos atuais senadores: eles não garantem a unidade nacional e o direito federativo, mas os amesquinham nas trocas sórdidas de cargos e favores, nas chantagens sobre o Judiciário e o Executivo, quando não sobre os próprios deputados. Isto ocorre, agora, com as manobras para "anistiar" o sr. Humberto Lucena. Senadores apresentam uma conta ao Executivo: sinecuras para si e para seus parasitas.
Se estes homens agem assim, com o país relativamente calmo (as guerras do tráfico, os conflitos sociais se agravam, mas ainda não chegamos à situação da Rússia), como será sua conduta num conflito civil? Servirão como eminentes magistrados federais, exercendo a justiça e a equidade? Ou persistiriam na busca de suas vantagens particulares, em detrimento da sociedade?
Se o Brasil federativo não possui um Senado digno de respeito, ele está à beira do estilhaçamento. Consideremos o próprio nome daquela instância estatal. Antigamente julgava-se que os mais idosos acumulavam sabedoria. Mas os anciãos degeneram. As suas falas e atos podem se enrigecer, tornando-se caducos e lesivos à República. Pior é quando a senilidade precoce atinge parlamentares, somando-se à ausência de vergonha do fisiologismo.
O instituto senatorial deve, de ofício, ser mais ponderado do que os outros setores políticos. Cicero refere-se a um discurso com maior maturidade ("senior oratio"). É o que se espera dos senadores. Mas o mesmo Cicero indica a existência de certos velhos, figura caricatural das comédias ("comici senes"). É o que temos no Brasil.
Vimos nas televisões: o país clama por medidas econômicas sérias, mas o nome do presidente do Banco Central não foi discutido pelos senadores, para forçar barganhas do tipo "é dando que se recebe". O plenário vazio, os bares do Congresso cheios de senadores.
Bufões é palavra branda para esses indivíduos. Inimigos da República é mais certo. Felizmente, boa parte deles deixa o Congresso. Que o silêncio os devore para sempre.

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