São Paulo, domingo, 8 de janeiro de 1995
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Sobre a prudência

CAIO TÚLIO COSTA

A prudência é um dos termos que voltam à baila com a posse de um intelectual na presidência. Os "scholars" e os moderados políticos de oposição que convivem com Fernando Henrique Cardoso, além do próprio, demonstram muita tarimba nesta virtude em desuso na política brasileira.
Ao mesmo tempo, existe um sonho que perpassa o inconsciente desta mesma geração. Agora, acredita ela, talvez ele se realize. O país então deixaria de ser só promessa, de ser um verbo no futuro. Trata-se daquele sonho de unir democracia, desenvolvimento e justiça social. Pela primeira vez em muitos anos, há uma possibilidade de luz no fim do túnel. Não outra luz que a da distribuição de renda, dignidade para o cidadão. O próprio Fernando Henrique, em seu discurso de posse, falou muito no "sonho".
Tudo vem a propósito de um antológico artigo publicado na terceira página da Folha domingo passado. Escrito por Gérard Lebrun, intelectual francês independente, professor de filosofia que leva à mais ampla dimensão política o pensar, ele tocava em reminiscências a respeito do seu convívio intelectual com Fernando Henrique Cardoso, um cientista social que teve coragem de recusar até uma cátedra no Collège de France, a mais alta instituição intelectual francesa. Lebrun sugere que agora é melhor reler o retrato do "homem prudente" de Aristóteles que o do "filósofo-rei" de Platão.
O professor lança na roda o conceito da prudência. Ao que tudo indica, o tédio que parece envolver Deus e mundo neste momento tem a ver um pouco com isto. Todos estão esgotados das idéias mirabolantes e das promessas. Quem pode e consegue trabalhar, trabalha. O faz a despeito de promessas, portarias, impostos, regras e mudança das regras.
A imagem evocada pelo professor de filosofia remete todos para uma nova palavra-chave, bordão cuja magia está na própria sensatez do termo: prudência. Não se esqueça de que a prudência compõe, ao lado da justiça, da coragem e da sobriedade, as quatro virtudes cardeais.
O citado Aristóteles desenvolveu uma noção original de prudência na sua "Ética a Nicômaco". Ali explica as diferenças entre sabedoria prática e sabedoria política. Faz a apologia do homem público, aquele que sabe o que é bom para ele e para os homens em geral. Seu exemplo é Péricles. Diz também que a prudência exige o discernimento das possibilidades e a escolha do momento oportuno.
É animador ouvir o alerta de alguém que pede, hoje em dia, para se ler Aristóteles. Alguém que remete exatamente à prudência, termo que sugere precaução, circunspeção, ponderação. Se tudo isso exibe um pouco do caráter do novo presidente, indica também as cautelas necessárias aos brasileiros de bem.
A melhor palavra de ordem, para quem tem o pé no chão e não dispensa a dose necessária de ceticismo, é esta: todo poder à prudência. Do lado de lá (no Planalto) e do lado de cá (na planície).

Ilustração: São Jerônimo Penitente, de Andrea Mantegna (1431 -1506)

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