São Paulo, terça-feira, 10 de janeiro de 1995
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Participação nos lucros ou resultados

JOSÉ PASTORE

Depois de quase 50 anos de discussão e de dezenas de projetos de lei, a questão da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados das empresas foi implantada no Brasil através de uma medida provisória (MP 794, de 29 de dezembro de 94).
Esse sistema vem sendo gradualmente adotado nos países mais avançados como incentivo à parceria e redutor de conflitos. Por meio dele, os trabalhadores aproximam-se da empresa; torcem pelo seu sucesso; e se empenham na melhoria da sua produtividade, eficiência e desempenho geral. A empresa, por sua vez, premia quem se esforça; reconhece sua contribuição; e valoriza quem se empenha.
Na maioria dos países que usam tal sistema, isso ocorre por voluntarismo ou tradição. Não há lei que obrigue as empresas a adotar o sistema. Esse é o caso, por exemplo, dos Estados Unidos, Japão e da maioria das nações da Europa. Há países, porém, em que o sistema é determinado por lei. Esse é o caso do México e de vários países do sudeste asiático.
No Brasil, a Constituição de 1988 repetiu e ampliou o princípio da participação que vinha das Constituições anteriores e, dentro da nossa tradição legalista, determinou que isso teria de ser feito por lei. Como a lei não vinha, o presidente Itamar Franco resolveu baixar uma medida provisória que será, certamente, sustentada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso –autor de um dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional há anos.
A medida provisória traz grandes avanços no campo da necessária flexibilização das nossas relações de trabalho. Ela estabelece, com base no inciso 11 do artigo 7º da Constituição Federal, que as parcelas pagas a título de participação estão isentas de qualquer tipo de encargo trabalhista ou previdenciário. A MP deixa claro que tais parcelas não criam habitualidade: são pagas quando há lucros ou resultados positivos.
Ela determina ainda que a participação será feita pela via da negociação a nível de empresa e não do setor econômico ou categoria profissional. Finalmente, ela ousou bastante ao abrir a possibilidade de utilização da "arbitragem de ofertas finais" para os casos de impasse.
Examinemos este último ponto. O uso da arbitragem, como está na MP, é facultativo. Portanto, as partes, se assim o desejarem, poderão continuar usando a Justiça do Trabalho para resolver seus conflitos.
Nesta matéria, porém, o procedimento judicial é desaconselhável, por se tratar de assunto de extrema complexidade. Os padrões de produtividade, qualidade, lucratividade e outros variam enormemente de empresa para empresa. Cada uma tem a sua especificidade. Ficará extremamente difícil para os juízes reunirem os dados necessários para dirimir conflitos sobre questões tão técnicas a nível de cada empresa.
Por isso, a solução descentralizada –como é o caso da arbitragem– parece mais adequada. As partes poderão escolher árbitros familiarizados com as atividades da empresa. Ademais, o processo arbitral tende a ser expedito ao se basear em uma ou duas audiências nas quais o árbitro se informa a respeito das peculiaridades do impasse. A sua "bíblia" não é a CLT, mas sim o contrato estabelecido entre as partes no qual se definiram as regras e os procedimentos de participação nos lucros ou resultados (art. 2º, parágrafo único).
Entretanto, a instituição da arbitragem é estranha à nossa tradição trabalhista. Será um grande teste. As partes terão diante de si dois métodos: o convencional, que tem pouca chance de funcionar; e o novo, que reúne grandes condições de resolver adequadamente tais conflitos.
Ao optarem pela arbitragem de ofertas finais, empregados e empregadores descobrirão que ela será pouco usada porque tal sistema eleva extraordinariamente o risco para as partes e, por isso, constitui um poderoso estimulante da negociação.
No caso de um impasse em torno de uma demanda de, por exemplo, 10% de participação e uma oferta de 1% do lucro obtido, o árbitro terá de escolher uma ou outra alternativa. Isso é tão perigoso que raramente haverá consenso em submeter tal impasse à arbitragem –o que incentiva as partes a encontrarem uma solução menos arriscada, via negociação. Afinal, esse é o objetivo.
Mas, para as coisas darem certo, temos de aperfeiçoar a MP no Congresso Nacional em vários pontos. Destaco dois deles. Primeiro, precisamos criar mecanismos desestimuladores da utilização da Justiça do Trabalho para a solução de problemas tão complexos como os decorrentes da participação nos lucros ou resultados a nível de empresa.
Segundo, temos de abrir a possibilidade de os empregados negociarem diretamente com as empresas o que vai ser distribuído na forma de participação nos lucros ou resultados. A obrigatoriedade de toda negociação coletiva sobre lucros ou resultados ser feita pelo sindicato, e não pelos empregados da empresa em questão, poderá anular o "efeito parceria" que se espera do novo sistema.
Os aperfeiçoamentos sugeridos requerem urgência, pois as partes e a Justiça do Trabalho podem começar, desde já, a negociar a referida participação. Seria bom que isso começasse de modo adequado, para evitar que um mecanismo tão precioso de harmonização e parceria se transforme em fonte de conflito e desentendimento. Afinal, o Brasil está precisando de mais luz e menos calor no campo das relações do trabalho.

O colunista Roberto Campos está em férias. A coluna "Tempos modernos" deixa de ser publicada, excepcionalmente, durante o mês de janeiro.

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