São Paulo, quarta-feira, 11 de janeiro de 1995
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Raul Julia acentua drama de Chico Mendes

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os assassinos de Chico Mendes estão livres há quase dois anos. Fugiram da Penitenciária de Rio Branco (AC) em 14 de fevereiro de 93. Só este fato já torna oportuno o lançamento em vídeo do longa-metragem "Amazônia em Chamas", sobre a vida do seringalista e ecologista assassinado.
Inexplicavelmente, o filme não passou nos cinemas (só na Mostra Banco Nacional, em setembro).
Como toda obra desse tipo –a dramatização da saga de um herói popular–, "Amazônia em Chamas" padece de alguns defeitos previsíveis: glorificação do protagonista, simplificação dos conflitos sociais, maniqueísmo.
O pessoal do cinema nacional se queixou também da ausência de brasileiros na realização. Aparentemente, o único nome brasileiro na produção é o de Sonia Braga, que interpreta a antropóloga Regina de Carvalho.
Produzido pela emissora de TV a cabo americana HBO e rodado no México, o filme se serviu de figurantes daquele país e de uma equipe técnica fundamentalmente americana. É falado em inglês.
Feitas todas essas ressalvas, cabe rechaçar a mais grave: a de que o filme seria oportunista, tentando tirar partido da onda ecológica para ganhar uns trocados.
Trata-se, na verdade, de um trabalho surpreendentemente honesto, a anos-luz de distância dos costumeiros filmes americanos sobre o Terceiro Mundo.
Mais importante que tudo isso: do ponto de vista dramático, o filme mantém tensa sua narrativa do início ao fim. Não é por acaso: seu diretor, John Frankenheimer, não é um zé mané qualquer. Dirigiu obras perturbadoras como "Sob o Domínio do Mal" e tecnicamente perfeitas como "Grand Prix".
Mesmo em decadência, Frankenheimer sabe onde e como colocar sua câmera.
Seu filme conta uma história simples. Há um herói, Chico Mendes (Raul Julia), que enfrenta um inimigo de três cabeças: o governo (simbolizado pelo político oportunista Olavo Galvão e pela Polícia Federal), os pecuaristas (Darly Alves e sua família) e as multinacionais da carne (o filme escreve com todas as letras o nome de uma delas: Bordon).
Visualmente, essa luta é resumida na imagem de serras elétricas apontadas contra homens de braços dados –os seringalistas comandados por Chico Mendes.
Ao lado do herói, sua mulher Ilzamar (Kamala Dawson), a antropóloga Regina e um documentarista norte-americano bem-intencionado (Nigel Havers).
É este último que convence Chico Mendes a ir a Miami, numa reunião de banqueiros, para pedir que parem de emprestar dinheiro para a construção de uma estrada na Amazônia (a rodovia que uniria o Acre ao Pacífico).
Em seu simplismo, o filme sugere que foi só nessa viagem que Chico Mendes, ao se ver saudado pela mídia internacional como um defensor da floresta, se deu conta da dimensão ecológica de seu movimento. Até então, ele só se via como um mero líder sindical.
Essa passagem abrupta de líder local e corporativo a símbolo internacional do ambientalismo é um dos pontos falhos do filme. Seria esse o momento certo de mostrar a complexidade dos interesses em jogo, reduzida no filme a uma única frase do herói: "Vocês (ecologistas do Primeiro Mundo) querem que a Amazônia continue como está; nós queremos desenvolvê-la, só que em favor dos trabalhadores que vivem nela."
Tudo isso, contudo, é secundário diante da vibrante atualidade do filme e da urgência em colocar em cena essa tragédia nacional.
Agora que o Brasil se esforça para mostrar uma fachada sorridente e polida, seria conveniente dar uma boa olhada no que continua acontecendo no seu quintal. Sempre é bom lembrar: os assassinos de Chico Mendes estão soltos.

Raul Julia
A recente morte de Raul Julia (de câncer) acrescenta um tom melancólico ao filme. O ator –que pessoalmente apoiava movimentos ecológicos e humanitários– já mostrava as marcas da doença quando encarnou Chico Mendes. Ao contrário do verdadeiro seringalista (um tipo sorridente, arredondado, oleoso), Julia é todo ossos, palidez e olheiras. Sua digna atuação faz de Chico Mendes um herói algo soturno –e ainda mais trágico.

Vídeo: Amazônia em Chamas
Produção: EUA, 1994
Direção: John Frankenheimer
Elenco: Raul Julia, Kamala Dawson, Sonia Braga
Lançamento: Warner (tel. 011/ 820-6777)

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