São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A ciência, o Brasil e a mentira

IVAN IZQUIERDO

Há uma campanha sistemática contra a ciência no Brasil. Alguns chegam a afirmar que deveríamos suprimi-la, e só desenvolver tecnologia. "Como fizeram os países do Primeiro Mundo", dizem. Isto é falso. Os principais países do Primeiro Mundo multiplicaram seus investimentos em ciência nas últimas três décadas, tanto em números absolutos como per capita.
Seguindo uma tradição secular do Ocidente, que teve origem na Renascença, apostaram na teoria de que a tecnologia surge da ciência básica, e venceram. Entenderam que, por exemplo, sem bioquímica, genética, física e informática não há saúde, indústria farmacêutica, agricultura moderna, supercondutores ou computação.
Em todas essas áreas, o Brasil apostou no lado errado: os fundos (poucos) foram aplicados na transferência de tecnologia (que não tínhamos) para a indústria (que pensou que ia consegui-la de graça), e retirados do apoio às ciências básicas correspondentes. O resultado está aí: o Brasil caiu de uma posição de preeminência em todas essas linhas de desenvolvimento, poucos anos atrás, para o quase oblívio; e não temos saúde, nem nutrição, nem indústrias competitivas a nível mundial em nenhuma dessas áreas.
Um país sem ciência torna-se um país sem tecnologia e, por isso, pobre e dependente dos ditados de outros, incapaz de formular suas próprias políticas. A baixa tecnologia é cara, e a alta tecnologia simplesmente não está à venda. O Brasil importa a preço alto tecnologia baseada na ciência básica que leva a saltos econômicos. Sabemos como fabricar automóveis e sapatos, mas não como desenvolver novos medicamentos ou como alimentar um terço de nossa população.
Sabe-se que aqueles que nunca conseguiram jogar bola tornam-se críticos de futebol, e aqueles que nunca foram capazes de escrever uma página inspirada viram críticos literários.
Da mesma forma, muitos dos críticos das ciências brasileiras são os fracassados da graduação ou da pós-graduação; aqueles que nunca "chegaram lá". Muitos deles infelizmente se infiltraram e entrincheiraram nas agências de fomento federais e estaduais, nos ministérios e na imprensa pouco ilustrada. Estes são incômodos, mas não intelectualmente perigosos. Como em todos os movimentos políticos (o nazismo é um bom exemplo), o verdadeiro perigo vem dos ideólogos que lhes fornecem argumentos.
Os críticos ideológicos da ciência brasileira são os que gostam das coisas como estão: um país altamente dependente, sem peso real nos assuntos mundiais, nas mãos de uns poucos que brutalmente dominam uma enorme massa de pobres destituídos e ignorantes que, "sempre que saibam manter-se no seu lugar", servirão como mão-de-obra barata.
Os ideólogos anticientíficos desfrutam da atual situação mundial, na qual os brasileiros (ou argentinos, indianos, mexicanos ou turcos, só para mencionar países subdesenvolvidos que exportam alimentos) pouco têm a opinar sobre as coisas que realmente afetam suas condições de vida.
Os ideólogos anticientíficos desses países às vezes disfarçam seu discurso sob a bandeira dos Tigres Asiáticos. Dizem que gostariam que o Brasil fosse um deles. Esquecem que é impossível para um país profundamente latino de 150 milhões de habitantes converter-se numa pequena e submissa comunidade oriental. O Brasil nunca poderá ser uma gigantesca Cingapura; com sorte, poderá ser um gigantesco Portugal ou Espanha. A alternativa, claro, é converter-se num gigantesco Haiti.
O brutal declínio do apoio às ciências nestes últimos cinco anos deixou o Brasil em grande atraso. Infelizmente, até importantes figuras científicas foram usadas pelos ideólogos da anticiência para endossar, com sua simples presença ou aprovação silenciosa, a liquidação da ciência do Brasil.
Nunca tivemos tantos jovens de mérito em nossos centros de pesquisa; nunca foram estes tão desestimulados, e nunca foi o "establishment" anticientífico tão ativo como nestes dias. Está na hora de reverter esta situação. Temos muitos bebês recém-nascidos para defender. E, junto com eles, nossa individualidade.

Texto Anterior: Cesta básica tem nova queda e custa R$ 98,90 em São Paulo
Próximo Texto: Supermercado aceita cheque pré-datado
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.