São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 1995
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No câmbio, relaxar e esperar

LUÍS NASSIF

Em 1982, saíram do chão ao mesmo tempo um avião mexicano, um argentino e um brasileiro. A certa altura, o avião mexicano caiu por falta de combustível. O passageiro do avião brasileiro olhou para a aeromoça e disse: "Se saímos ao mesmo tempo, e o combustível do colega do lado acabou, não corre o risco de o nosso também acabar?"
A chefe das comissárias, gorda, falante e convincente, respondeu com solene desprezo: "Claro que não, não está vendo como nós somos diferentes?". Foi poucos minutos antes de o avião brasileiro despencar.
Treze anos depois, o passageiro toma outro avião brasileiro que voa ao lado de um mexicano. O avião mexicano explode e provoca turbulências no avião brasileiro. Ele se vira para a nova chefe dos comissários e pergunta: "Não podemos cair que nem eles?". E ela diz: "Claro que não, não está vendo como nós somos diferentes?". Ele se lembra da frase de 13 anos atrás e entra em pânico: vai cair mesmo.
Moral da história: olhar a chefe de comissária para saber da situação do avião não adianta muito, porque elas vão se comportar da mesma maneira, na alegria e na tristeza. O melhor caminho é tratar de conferir o próprio avião.
Em 1982, as diferenças entre México, Brasil e Argentina centravam-se na língua, nos hábitos e em alguns costumes. Porque a dependência em relação a capitais externos –o que importava para prevenir crises cambiais– era a mesma.
Agora, Argentina e México continuam dependendo fundamentalmente de investimentos externos (de risco) para fechar suas contas –esse investimento que virou fumaça com a crise mexicana. O Brasil iria para o mesmo caminho, se prosseguisse na meta suicida de gerar 6% de déficit em transações correntes. Mas não prosseguiu.
Mesmo que demore um pouco mais para recuperar novamente os superávits, conviverá com déficits residuais, porque a trajetória da política cambial do ano passado foi interrompida a tempo –e na sua fase inicial.

Capital de Buenos Aires
O que está ocorrendo efetivamente é uma enorme confusão dos investidores americanos em relação às peculiaridades de cada país. Porque eles são muito sabidos –tanto que falam inglês– mas continuam achando que a capital do Brasil é Buenos Aires. Tanto que, ao contrário do que se pensa, a Bolsa de Valores do Chile despencou, da mesma maneira que as bolsas brasileiras, mexicana e argentina.
Isso se deve ao comportamento dos grandes bancos de investimento americanos, que comboiaram recursos de seus clientes para o México e esconderam os problemas, para não depreciar antecipadamente seus ativos.
Repetiram o que ocorreu anos atrás, quando algumas instituições brasileiras compraram um enorme mico-preto no mercado –ações da Cobrasma por preços superavaliados. Espernearam, xingaram, ameaçaram processar e, dias depois, estavam elogiando o papel. Liguei para uma delas para entender a virada. "É simples", foi a resposta, "você acha que vou falar mal da empresa da qual eu sou sócio?".
Como os investidores americanos não estão atentos a essas peculiaridades, parte deles tratou de se mandar assim que os bancos informaram que a situação do Brasil era diferente.

Caso brasileiro
O "diferente" não significa que o país não sentirá efeitos de uma eventual corrida contra o dólar. Haverá pressões para desvalorizar o real, com reflexos no sistema de preços. Mas não quebra, porque tem um montante considerável de reservas estáveis, e relativo equilíbrio nas transações correntes.
Mesmo assim, não há muito a fazer. O México estourou e a Argentina quase não apenas porque sua situação era ruim, mas também porque seus governos "piscaram" –mostraram insegurança, na gíria do mercado.
Quem cobra atitudes do governo brasileiro espera o quê? No México, o governo acenou com uma abertura na banda cambial. Abriu de relance a porteira, e foi atropelado pela boiada. Na Argentina, o governo reuniu os investidores e acenou com reformas. Os investidores sentiram fraqueza e ameaçam arrebentar a porteira.
Aqui, qualquer decisão intempestiva de governo não será lida como exemplo de determinação –mas como sintoma de pânico. Ontem o BC definiu informalmente uma faixa de variação do dólar –entre R$ 0,83 e R$ 0,86. Já basta.
O melhor conselho a se dar ao governo neste momento, é não fazer muita marola. E torcer para que os investidores estrangeiros descubram rapidamente que a capital do Brasil é Brasília.

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