São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 1995
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Surfista sociólogo

CARLOS SARLI

"O pobre continua pobre e o rico cada vez mais rico –um velho tema– mas a esperança de um futuro brilhante não existe para os analfabetos."
"O país foi construído em cima do negócio do café e do açúcar, com as mãos de escravos importados ou nativos. De certa forma, nada mudou a não ser a data."
"As favelas estão cheias de gente honesta e trabalhadores."
As frases acima poderiam ter saído da boca de algum político empolgado em campanha ou da pregação de algum pastor arrebanhando inocentes fiéis.
Mas não. São frases pinçadas de um texto sobre o Brasil sob título "A Nova Fronteira", publicada na edição de março de 95 da revista americana "Surfing", lançada no final do ano por lá e que deve estar chegando em breve por aqui.
Ilustrada com fotos de arquivo, a maioria do brasileiro Tony Fleury, o artigo mistura alguns dos melhores surfistas do país com a molecada da favela surfando (de verdade) em pedaços de madeira e, de quebra, confunde Tadeu Pereira com Tinguinha.
O texto desliza sobre fatos irrefutáveis –pobreza, corrupção, analfabetismo, desperdício e falta de regras– a partir da imagem que um surfista profissional (sem sucesso) fez após uma visita.
As quatro páginas do artigo aliviam a certa altura dizendo: "não quero que os leitores tenham uma mensagem errada do Brasil, que é um lugar mágico".
Depois destacam que o "Brasil tem poucas regras para qualquer coisa" e terminam, após tirar tantas conclusões: "o Brasil foi uma constante contradição que eu não pude compreender". "Todo maldito país está fora do controle e eles o amam dessa maneira."
Conheci Jeff Baldwin, o autor do artigo, ano passado na casa do Abelardo, que frequento e desfruto da hospitalidade em Maresias.
Durante as semanas que ele esteve por lá, foi figura constante na casa, "coincidentemente" nos horários das refeições. Adepto do consumo de carne branca, deixou-se seduzir pela nossa picanha.
Em todo artigo não se fala em surfe, a não ser na providencial nota do editor ao final.
Com 9 surfistas brasileiros entre os 44 da elite mundial, a "Surfing", a mais importante revista do esporte, nas poucos textos que faz sobre o Brasil, deveria escrever sobre o assunto que lhe dá título e não fazer um tratado sócio-político-econômico de algibeira.

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