São Paulo, quinta-feira, 12 de janeiro de 1995
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Warner relança rico acervo da Continental

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais palmas para a terrível multinacional Warner. Ao comprar há dois anos a nacionalíssima gravadora Continental, está fazendo o que esta, em vida, não se animava a fazer: relançar o seu acervo de música popular brasileira dos anos 40 até ontem. Seis novos CDs da série "Mestres da MPB" acabam de sair, juntando-se aos mais de 20 já lançados, todos organizados por Carlos Alberto Sion e Tárik de Souza.
Por ordem de chegada dos artistas à cena, o mais antigo é o dedicado ao conjunto vocal Os Cariocas –que, quando estreou em disco em 1948, já chegou revolucionando tudo, com a constelação vocal de "Adeus, América". As faixas dos Cariocas vão até 1960 e são um painel da MPB pré-bossa nova, da qual eles foram precursores e seriam depois os grandes campeões.
O disco de Lucio Alves vai de 1948 a 1955 e é outro rico retrato de uma época, cravejado de clássicos nas versões originais: "Valsa de uma Cidade", "Sábado em Copacabana", "Nova Ilusão" (também no disco dos Cariocas), "Blue Gardenia" em português e a histórica gravação (1954) de "Teresa da Praia", de Tom Jobim e Billy Blanco, com Lucio em dueto com Dick Farney e acompanhamento do próprio Tom.
Lúcio Alves nem sempre teve um repertório à sua altura –o que reforça ainda mais a sua posição entre os três ou quatro maiores cantores brasileiros da história, ao lado de Orlando Silva, Cyro Monteiro e João Gilberto.
Já o disco de Nora Ney é uma belíssima descida aos infernos da madrugada carioca nos primeiros anos 50. Puxa, como aquela turma sofria: "Ninguém me Ama", "De Cigarro em Cigarro", "Bar da Noite", "Seu Eu Morreu Amanhã", "Chove Lá Fora". É o universo de Antonio Maria, Luiz Bonfá, Tito Madi –um "huis clos" enfumaçado, em que os decotes palpitavam de paixão e os homens tentavam conter sua excitação dentro dos ternos.
Nora Ney cantava emoções adultas com uma pitada de fatalismo e com uma voz que fazia o ouvinte jurar que tudo aquilo estava acontecendo com ela. Uma preciosidade: "Solidão" (1954), de Jobim e Alcides Fernandes –a primeira gravação de uma canção de Tom em todos os tempos.
Quanto ao disco de Carlos Lyra, é o mesmo LP de 1987, gravado ao vivo num de seus shows e que depois sumiu das lojas. Não era sem tempo que reencarnasse em CD. Contém todos os clássicos de Lyra ("Minha Namorada", "Primavera", "Samba do Carioca", "Pau de Arara" e tantos mais), cantados e contados por ele com a sua grande verve de palco. Um disco, como se diz mesmo? Ah, sim: imperdível.
Também o de Geraldo Vandré é a íntegra de seu LP "Hora de Lutar", de 1965. Vandré ainda não era o mito que depois se tornaria, mas certos setores do movimento estudantil, ligados ao partidão, já o viam como um "cult".
Seu jeito para as palavras limitava-se às palavras de ordem e suas fixações metafóricas já estavam todas lá: "Vou caminhando/ Sorrindo, cantando", "Quem sabe da vida espera/ Dia certo pra chegar", o dia que vai nascer, a tristeza que vai acabar etc. Vandré era repetitivo como letrista, mas tinha bons parceiros musicais: Carlos Lyra, Baden Powell, Moacir Santos. O melhor do disco são os arranjos (ironicamente, ultrajazzísticos) de Erlon Chaves.
Como Vandré, Edu Lobo também se voltava para o campo, mas sua sofisticação musical sempre o salvou do panfleto. Seu disco nesta série é a integra de "Limite das Águas", de 1976, e é um exemplo de como o folclore está aí, não para ser preguiçosamente recolhido e apresentado, mas para ser transformado –mesmo que, no processo, troque a sua aura de "popular" pela de duradoura obra de arte.

Título: série Mestres da MPB
Artistas: CDs individuais com Os Cariocas, Lucio Alves, Nora Ney, Carlos Lyra, Geraldo Vandré e Edu Lobo
Gravadora: Warner/Continental
Quanto: R$ 18 (em média)

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