São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 1995
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Quem vai subir o morro depois?

HILDEBERTO ALELUIA

O Exército está nos morros do Rio tentando transformar soldados num misto de assistente social e polícia. Tarefa impossível. Teremos um levantamento de informações e mapeamento de quadrilhas nunca vistos. E aí? Entra o Poder Executivo para cumprir sua função?
É um fenômeno típico da cidade. O Poder Executivo não cumpre seu papel, o legislador carioca, quase sempre brilhante e Legislativo, volta-se com afinco para causas nacionais. O deputado estadual mais votado no último pleito de 15 de novembro se elegeu com um discurso e plataforma que não dizem respeito à cidade e ao Estado. Sua expressiva votação foi conquistada defendendo os direitos do aposentado. Os direitos dos aposentados jamais serão corrigidos na Assembléia Legislativa. É um tema para o Congresso Nacional e/ou Executivo Federal.
No Rio é assim. O vereador se elege defendendo causas nacionais. Exclua-se os paroquiais, mais interessados em suas próprias causas que a comunidade. Os legisladores federais não são diferentes. Poucos eleitores se lembrarão do nome e da plataforma do deputado federal mais votado nas últimas eleições.
Os políticos do Rio são excelentes políticos nacionais. Isto jamais acontecerá na Bahia, Ceará ou Santa Catarina. Lá, primeiro, eles terão a plataforma para a esquina, ou a favela mais próxima. Depois irão se credenciar como defensores das causas nacionais.
No Rio, em nenhuma das esferas do Legislativo tem-se notícia de um projeto de saneamento e urbanização, com aproveitamento de mão-de-obra para geração de empregos, através de estímulos privados ou públicos, na favela de Vigário Geral por exemplo. Quando os desastres acontecem, a evidência se torna calamidade.
A Prefeitura do Rio investe no asfalto, constrói ciclovias para a classe média arremeter suas mountain bikes. No morro que o Exército desocupa nem ela nem o Estado aparecem. Pinçamos nos jornais as queixas de que necessitam de recursos do Banco Mundial para iniciativas na favela. Postos de saúde, escolas de primeiro grau, postos de atendimento para qualificar o cidadão com documentos, recolhimento sistemático de lixo e programas de educação comunitária custam mais barato que ciclovias ou festas de fim de ano.
Executivo e Legislativo deveriam trabalhar programas de emergência para ocupar as favelas, através da maciça aplicação de recursos, mesmo que façam falta ao asfalto, em áreas onde o terror aloca o tráfico e manda comprar o remédio.
Na ausência do poder público, em dez anos, traficantes serão como os bicheiros. Estarão na 1ª página dos jornais, no desfile das escolas de samba. Cada uma com o seu padrinho. E o poder público na arquibancada, aplaudindo.

HILDEBERTO LOPES ALELUIA, 44, é jornalista. Foi assessor de comunicação do Ministério da Previdência, secretário de Comunicação Social da CNI (1985), assessor de imprensa da Abecip e secretário de comunicação do Banco Nacional de Habitação.

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