São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Futebol brasileiro está na era da Fórmula 1

SAMUEL ROSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Já não é novidade, para as pessoas que acompanham nossa trajetória musical, o grande interesse que temos pelo futebol.
O que talvez seja mais novidade é que esse fascínio vem desde criança e é dos primórdios dessa paixão que tenho algumas lembranças interessantes, às quais gostaria de me remeter agora.
A primeira é a dos álbuns de figurinhas, que traziam fotos de jogadores, mascotes e uniforme de cada clube, constituindo-se, às vezes, em única fonte de informação sobre equipes de outras regiões que não a minha. Prato cheio para garotos aficionados.
A segunda era a habitual inquietação na época de pré-temporada. Pairava no ar a pergunta: quem a minha equipe trará como novo reforço?
Pois bem, hoje tenho 28 anos, mal mal posso ir ao estádio para acompanhar meu clube de coração e não coleciono mais figurinhas. Por outro lado, viajamos quase todo o Brasil fazendo shows e, como o que está no sangue não se esvai assim tão fácil, continuo um aficionado.
Porém, ao testar meus conhecimentos acerca da popularidade de equipes de regiões em que nunca havia estado antes, dei com os burros n'água.
Não é que para minha surpresa, mesmo fora do eixo Rio-São Paulo, cada vez mais pessoas torcem para Flamengo, São Paulo, Palmeiras etc., e menos para as equipes de sua cidade ou de seu Estado! Principalmente os garotos.
Você deve estar pensando: essas equipes são campeãs e a garotada não quer torcer para times que só perdem. É, só perdem. E vão continuar perdendo, correndo o risco de se extinguir depois que o futebol brasileiro entrou na era da F-1.
A equipe mais bem patrocinada –ou se preferir, mais rica– ganha sempre, invariavelmente. E quanto mais ganha, mais empresas querem patrociná-la, formando um círculo vicioso de cartas marcadas e monopolizando o futebol.
Essa "distorção" pode ser um dado muito generoso para os mais fanáticos, que vêem sua torcida aumentar mesmo em lugares distantes, a ponto de estarem se vangloriando agora. É natural.
Mas, como ignorar a relevância de equipes "menos populares"? Revelam jogadores, proporcionam diversidade e, talvez, o mais importante: o quão poético e brasileiro é ver um time fazer parte da cultura do lugar, ser motivo de orgulho e identificação, a ponto de suas cores serem mais reverenciadas do que a bandeira do Estado. A paixão pelo clube transcende a condição de perdedor ou ganhador.
Não quero que me entendam como favorável a um retrocesso no futebol. Apenas clamo por uma modernização que saiba discernir o significado desse esporte para a cultura brasileira, a fim de evitar o chamado "efeito bumerangue" –ao invés de enriquecer, empobrece, tornando-o cada vez mais desigual e monótono.
...E me amedronta a possibilidade de ver Palmeiras-Parmalat decacampeão brasileiro.

Texto Anterior: Cesp termina decisão invicta
Próximo Texto: Amigos inimigos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.