São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 1995 |
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David Mamet apresenta sua visão do assédio sexual em "Oleanna"
JOSÉ GERALDO COUTO
Produção: EUA, 1994 Direção: David Mamet Elenco: William H. Macy, Debra Eisenstadt Onde: a partir de hoje no Espaço Banco Nacional de Cinema, sala 1 O tema do assédio sexual, tão em voga nos Estados Unidos, gerou no cinema dois produtos díspares: a grande produção "Disclosure", de Barry Levinson, com os astros Michael Douglas e Demi Moore (breve nas telas brasileiras com o título "Assédio Sexual"), e o modesto "Oleanna", de David Mamet. Se o primeiro alardeia com fogos e banda de música seu caráter oportunista, o segundo é uma obra de câmara. Adaptando sua própria peça teatral, Mamet colocou em cena apenas dois personagens –um professor universitário (William H. Macy) e uma aluna (Debra Eisenstadt)– que se debatem praticamente num único ambiente, a sala do mestre. Com uma decupagem sutil e precisa, em que os personagens transitam entre a sombra e a luz de acordo com o andamento dramático do diálogo, Mamet reproduziu em seu filme a estrutura da peça, com três atos bem distintos. O primeiro lembra um texto do teatro do absurdo sobre a incomunicabilidade humana. Professor e aluna não se entendem, parecem falar línguas diferentes. Ela quer saber sua avaliação, já prevendo a reprovação, e ele faz um discurso sobre o poder da instituição escolar, interrompido a todo momento pelo telefone, por meio do qual trata da compra de uma nova casa. O diálogo não avança, gira em falso, exaspera os personagens e o espectador, cria uma angústia insuportável a partir de quase nada. Nessa primeira metade a aluna parece ser, além de linda, apenas estúpida. No segundo ato, vemos que, além de bonita e burra, ela é histérica. É aí que entra o tema do assédio: ela acusa o professor de molestá-la sexualmente e ameaça arruinar sua carreira. Nessa passagem entra em seu discurso o "grupo" de que ela diz fazer parte e que modela seu comportamento. Quando passa a servir como porta-voz de um "coletivo" feminista, a aluna se torna ainda mais incomunicável. A tensão aumenta e, no terceiro ato, se transforma totalmente em paranóia e truculência, já não apenas verbal. Ao longo do diálogo-duelo dos personagens observa-se uma regressão psicológica e cultural (de adultos a crianças, de civilizados a selvagens) análoga à observada na sociedade norte-americana contemporânea. Tudo isso sem que sejam usadas em momento algum palavras como feminismo, sexismo ou correção política. A visão de Mamet é a mais ácida e corrosiva possível. Mesmo quando aponta sua câmera para um único indivíduo em ruínas (como é o caso aqui), seu alvo é a vida americana. Não por acaso, sua obra é feita na contramão do "mainstream" hollywoodiano –embora ele seja o roteirista de um campeão de bilheteria como "Os Intocáveis". Para Mamet, a arte não é "o sorriso da sociedade", mas o seu esgar. Texto Anterior: Ang Lee leva 'Rei Lear' à cozinha Próximo Texto: "OLEANNA"; "COMER BEBER VIVER"; "101 DÁLMATAS"; "RIQUINHO"; "NINGUÉM SEGURA ESTE BEBÊ" Índice |
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