São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 1995
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O direito ao ano novo

JOSÉ SARNEY

Quem mais reclama da Constituinte de 88, agora, é o ano de 1995. Todo ano novo tem o direito de ser o dono do terreiro, chegar, ser homenageado, alvo de todas as atenções, repositório de todas as esperanças. Pois bem, o constituinte Rosseman fez de 95 um ano de festas divididas com o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. E o ano velho, já tão combalido pelo esgotamento da chama dos seus dias, teve que repartir suas despedidas com o presidente Itamar.
Os governadores tiveram que tomar posse em horas diferentes, para assegurar o comparecimento de pessoas convidadas a outras posses, e ao mesmo tempo rumar para estar presente na posse maior de Brasília.
Disse-me um governador, que tomou posse às nove da manhã, que a paisagem era de convidados dormindo; outros, num esforço danado para resistir; e outros mais, com os olhos do sem-dormir, pois pelo cheiro e pelo jeito tinham varado a noite e emendaram reveillon com transmissão de cargo. Mas, em suas cabeças, o juramento de defender a Constituição era malsinado pela necessidade de mudar a Constituição que, além de todos os seus defeitos, havia acabado com a passagem de ano.
Eu, que tanto falei que ela tornaria o país ingovernável, jamais pensei que faria, também, o país sem direito a comemorar o mais justo de ser comemorado, que é agradecer a Deus a graça de estar vivo, ver passar mais uma data no calendário, nestes tempos de viver-se, como diria o poeta Bandeira Tribuzzi.
Agora, é a vez de, mais uma vez, tentar-se mudar a Constituição. Fazê-la instrumento de um país moderno, em que o Legislativo legisle, o governo governe e o Judiciário controle.
É impossível pensar que a Constituinte de 88 tenha, em nome da democracia, ajudado a debilitar a democracia no país. A democracia vive de instituições fortes. Como pensar num processo de fortalecimento democrático num país em que o Orçamento, por dois anos consecutivos, não é votado, onde o Poder Legislativo não tem condições de fiscalizar, de acompanhar e de controlar o governo?
Como pensar numa democracia em que o presidente tem que ser prisioneiro de medidas provisórias, tendo de assumir a tarefa de legislar porque, se não o fizer, o país pára, fica, não ingovernável, mas sem governo?
Como pensar num Judiciário sem condições e meios de exercer as suas atribuições, que tem que julgar e interpretar todos os hiatos e incongruências de um texto constitucional ambíguo e desordenado, detalhista e confuso?
A Constituinte não errou só no atacado. Errou também no varejo e chegou ao ridículo do detalhe de estabelecer a posse do presidente a 1º de janeiro.
A título de quê? De combinar o Orçamento com o exercício do mandato. Ora, se o país não tem nem Orçamento, e o que teve deu na Comissão do Orçamento, por que invocar em vão o pobre nome do Orçamento para tirar as honras do ano novo e misturar a morte do ano velho com a indagação do país e do mundo diplomático: o que deu na cabeça do Brasil para esse ridículo da posse numa data que é de cada família, de cada um e da humanidade?
Não há dúvida, se a revisão do texto constitucional não votar a reforma fiscal, ao menos assegure na "cidadã" o direito do cidadão ao ano novo.

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