São Paulo, sexta-feira, 13 de janeiro de 1995
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O Gordo, o Magro e Chaplin

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Desde os tempos do "Suplemento Dominical do Jornal do Brasil", para o qual escrevi uma série de ensaios sobre Chaplin, alguns amigos passaram a me considerar chapliniano. A Civilização Brasileira publicou os artigos em livro, e, no ano passado, a TV Educativa pediu-me para apresentar um festival de filmes primitivos de Chaplin.
Não vou dizer que detesto Carlitos. Mas, para meu gasto pessoal e meu gosto particular, prefiro os filmes da dupla Stan Laurel e Oliver Hardy. Carlitos vive situações extremas como os personagens de Cervantes, Shakespeare, Dickens. Podemos recuá-lo até Homero: o vagabundo chapliniano é um Ulisses sem jangada, sem Ítaca, procurando uma Penélope que ele nunca encontra e quando encontra nunca está esperando por ele.
O Gordo e o Magro são de carne e osso, vivem situações comuns. Dificilmente qualquer um de nós comeria uma bota, mas se nos colocarem diante de uma torneira que não fecha ou de uma janela que não abre, inevitavelmente faremos qualquer besteira. Com ou sem consciência disso, estaremos repetindo o Gordo e o Magro.
Chaplin era autor, Stan e Oliver são apenas atores. Mas já juntei boa bibliografia sobre os dois e posso garantir que, apesar de serem dirigidos por outros em roteiros alheios, eles souberam criar um universo próprio, um universo de pureza e não-senso.
Cito dois exemplos: embora casados em muitos filmes, eles dormem geralmente juntos, na mesma cama, sob os mesmos lençóis. Nunca alguém ousou uma suposição a esse respeito. E passar por Hollywood naquele tempo equivalia a frequentar a praça Tiradentes.
Quanto ao não-senso: um estranho pede para falar com o Gordo "em particular". O Gordo tapa os ouvidos do Magro e se coloca à disposição. O estranho diz que o Magro está com um anel roubado, o Gordo pergunta ao Magro se é verdade que ele está com o anel. O Magro não responde. O Gordo, com as mãos ainda tapando os ouvidos do Magro, pergunta se ele ficou surdo. O Magro aponta para os ouvidos tapados, chora e diz que ficou mudo.

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