São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 1995
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'Reengenharia' cria reunião e confusão

Governo sobrepõe cargos e funções

REINALDO AZEVEDO
EDITOR–ADJUNTO DE POLÍTICA

O presidente Fernando Henrique Cardoso passou os 15 primeiros dias de seu governo dedicado a uma espécie de "reengenharia política", que já resultou em quatro novas instâncias de discussão e decisão no governo, que tendem a se multiplicar em metástases.
FHC conta com um Conselho de Governo, um Conselho Político, uma secretaria executiva do Conselho Político (natimorta) e câmaras executivas do Conselho de Governo.
Aliados do presidente menos afeitos ao pensamento acadêmico e mais chegados a uma metáfora de realismo rural repetem à boca pequena velha piada segundo a qual um cavalo planejado por intelectuais resulta em camelo.
A tarefa principal desses novos lugares do poder é tentar submeter a velha prática fisiológica a um ritual burocrático que empreste feição moderna à velha senhora: a política do "é dando que se recebe". Nada aplacou o apetite dos aliados.
Na quinta-feira, FHC teve de ouvir um rosário de queixas de Jorge Bornhausen, presidente do PFL. Reclamava que ministros tucanos estariam substituindo quadros pefelistas por assessores do PSDB.
Na confusão, o governo se esqueceu de indicar interlocutores para votar assuntos importantes no Congresso, como a indicação de Pérsio Arida para o Banco Central.
Resultado prático: o nome de Arida só foi aprovado na terceira votação. Os senadores rebelados pertencem a partidos de sustentação ao governo. O PPR, formalmente na oposição, arregimentava senadores.
O Conselho de Governo (veja composição no quadro) tem a função oficial de unificar o discurso da equipe. Esse conselho gera câmaras e seus respectivos conselhos executivos, cujas atribuições se sobrepõem às dos ministérios. Já existe a Câmara do Desenvolvimento Regional, está em criação a de Comércio Exterior, e estão ainda previstas a de Política Econômica, a de Política Social e a de Infra-Estrutura.
Para cuidar da política do balcão, a reengenharia do camelo tentou criar uma secretaria executiva para o Conselho Político, formado pelos presidentes de partidos, que distribuiria cargos a parlamentares.
Nem bem esse conselho havia se desenhado, e os partidos aliados alertaram o presidente que fisiologismo não se submete a regulamentação burocrática. O resultado prático de tantas reuniões e instâncias decisórias é uma grande confusão política e administrativa.
Confusões
O camelo inventado pelo governo passeou pelo Itamaraty e pela Justiça, onde o ministro Nelson Jobim criou uma assessoria de Assuntos Internacionais. Sua função é abastecer embaixadas com dados positivos sobre o Brasil. Sem tirar nem pôr, é uma das atribuições do Itamaraty.
A Câmara de Política Exterior atinge o requinte: além dela, nada menos de quatro órgãos do primeiro escalão contam com pessoas encarregadas do assunto –Ministério da Indústria e Comércio, Itamaraty, Fazenda e Banco Central.
"As câmaras atuarão em nível de política de governo. Os órgãos existentes hoje continuarão a ter suas competências e atribuições em nível operacional", diz Clóvis Carvalho, ministro da Casa Civil, o coordenador de todas as câmaras.
Seja lá o que signifique abordagem "em nível" tão otimista, o fato é que o governo ficou em regime de concentração durante 16 horas na semana passada. Deu camelo na cabeça e nada indica que ele se move.

Colaborou a Sucursal de Brasília

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